quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

PCB e o Brasil: Um Projeto para a Classe Trabalhadora

Texto adaptado de trabalho feito para a disciplina de Sindicalismo no Brasil, ministrada pelos professores Marco Aurélio Santana e Elina Pessanha.
 

Este é um trabalho ambicioso e extremamente cauteloso de tentar entender a trajetória do PCB, de Partido Comunista do Brasil a Partido Comunista Brasileiro, no movimento operário e na luta política no Brasil, sobretudo nos últimos anos anteriores ao golpe militar de 1964. Inspirado no texto “O equilibrista e a política: o ‘Partido da Classe Operária’ (PCB) na democratização” de Fernando Teixeira da Silva e Marco Aurélio Santana, busquei também outras fontes, a fim de desta vez analisar mais especificamente um dos aspectos desta trajetória que tem a ver com a mudança de perspectiva deste partido, ou seja, as transformações em seu programa partidário.
É possível constatar que ao longo de todo período os comunistas buscam a construção de um campo político com os setores desenvolvimentistas, descritos pelo próprio PCB como a burguesia nacional ou burguesia progressista, mais corriqueiramente representada no PTB. Esta forma de se posicionar era inspirada numa interpretação do Brasil comum ao marxismo da primeira metade do século, em que se entende o país numa situação de transição do feudalismo para o capitalismo, e que era necessária uma aliança da classe trabalhadora com a burguesia nascente para a derrubada dos restos feudais, representados nos poderes oligárquicos dos grandes latifundiários, que, em suma, seriam os legítimos representantes do imperialismo no Brasil, responsáveis por frear o desenvolvimento.
Esta visão será fortemente combatida por Caio Prado Jr., que a classificava como “apriorística”, ou seja, tomava como referência experiências anteriores, no caso a da Revolução Russa onde esta análise poderia ser empregada, e conclamava a construção teórica a cerca do Brasil a partir da realidade brasileira.
Florestan Fernandes, apesar de utilizar o termo “sociedade de castas” para se referir ao Brasil pré-republicano, mostra também como o campo é o principal articulador das reformas políticas e econômicas que vão instaurar o trabalho assalariado no Brasil e criar as “grandes empresas rurais”.
Desta forma, ainda que se queira discutir se houve ou não feudalismo no Brasil, não se tratava de uma oposição a resquícios feudais mantidos pelo imperialismo, mas o que havia era uma burguesia, notadamente heterogênea, que portanto abrigava conflitos, mas que constitui-se enquanto classe social, e que como classe dominante, mantém seus acordos pelo poder instituído. Essa é a condição do varguismo também, que para desenvolver a indústria não garante os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos aos trabalhadores rurais.
No entanto, não se trata de questionar a política de alianças do PCB, mas atentar para o fato de que a conquista plena do direito dos trabalhadores pode passar pela aliança com setores da burguesia, mas não passa pela direção deste. Sob esta polêmica residirão os conflitos internos do PCB a partir de meados da década de 50.
Conforme narra Marco Aurélio Santana, o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) foi um marco importante na história do movimento comunista internacional. Numa sessão secreta, Nikita Khruchttchev narra o que se convencionou chamar “Os crimes de Stálin”. Figura tida em alta conta por boa parte dos partidos comunistas do mundo, a destruição da personificação de Stálin enquanto o grande líder da classe operária causou “rachas” e desmobilização por toda a parte. No entanto, há visões de teóricos que isto ajudou a fortalecer a democracia interna dos partidos comunistas, condição fundamental para uma relação saudável com a classe trabalhadora.
Contudo, a denúncia dos crimes de Stálin não é objeto de uma mera autocrítica por parte do PCUS, mas uma ação consciente no sentido de guiar o movimento comunista internacional para outros rumos. Nas palavras do historiador Augusto Buonicore, “Desde aquele congresso os soviéticos passaram defender a coexistência pacífica com o imperialismo estadunidense e a possibilidade de transição pacífica para um novo regime social, rumo ao socialismo, na maior parte dos países do mundo.”
Todo este debate político resultou na “Declaração sobre a política do PCB” em março de 58 e se confirmou no V Congresso, em 1960. Divergências se abririam a partir da aceitação da tese soviética da via pacífica da revolução, do abandono ao marxismo-leninismo e por fim na mudança do nome do partido para Partido Comunista Brasileiro, a fim de renegar às teses do internacionalismo proletário, se aproximar dos setores da burguesia progressista e alcançar a legalidade.
Fica expressa a constituição de um campo formado pelo proletariado e a burguesia em favor do desenvolvimento nacional e contra a influência conservadora dos grandes latifundiários, defensores dos resquícios feudais. Em alguns momentos, o partido parece falar por proletariado e burguesia, ao mesmo tempo. Desta forma, configura-se a noção de que o pleno desenvolvimento das forças produtivas é o suficiente para a classe trabalhadora, afastando-se, portanto, do campo revolucionário.
Este processo, como fora dito antes, resultou em grandes conflitos internos. Surge uma ala que persiste reivindicando o marxismo-leninismo, liderada por Diógenes Arruda, João Amazonas e Maurício Grabois. Estes, apesar de ainda influenciados pela visão do desenvolvimento das forças produtivas contra o latifúndio feudal, teciam questionamentos quanto ao grau de heterogeneidade da classe dominante e clamavam por uma identidade revolucionária para a classe trabalhadora, que não poderia ser dirigida pela burguesia. Transcrevo assim fragmento do texto “Uma linha confusa e de direita” de João Amazonas, datado de 1960, após o V Congresso:
“Aonde poderá conduzir esta linha? Ela só pode conduzir o proletariado e as massas trabalhadoras a um beco sem saída; a depositar suas esperanças no desenvolvimento do capitalismo e na burguesia; a acreditar na possibilidade de reformas profundas e conseqüentes dentro do regime atual; a descrer na necessidade da revolução. É uma linha de apologia do capitalismo, de ilusões na burguesia e de subordinação do proletariado aos seus interesses. Seguindo por este caminho o povo brasileiro não conseguirá livrar o país da dependência ao imperialismo e das sobrevivências feudais, não limpará o terreno para o socialismo no Brasil. "
"A burguesia nacional é, sem dúvida, uma das forças interessadas na luta contra o imperialismo norte-americano e, em certa medida, contra as reminiscências feudais. Seria um erro subestimar tais posições. Está interessada no desenvolvimento capitalista e luta por ele. Mas a burguesia não é uma força conseqüente e tende à conciliação com o imperialismo, o que, aliás, em palavras, reconhecem as Teses. Por outra parte, a burguesia no Brasil está vinculada direta ou indiretamente ao latifúndio, sendo difícil encontrar o industrial “puro”, livre dos laços com a terra ou com os bancos ligados ao monopólio da terra.
Este grupo de João Amazonas vem a conduzir um processo a que chamaram de “Reorganização do Partido Comunista do Brasil”, com a sigla agora de PCdoB, em 1962. Após a publicação da “Carta dos Cem”, Amazonas, Grabois, Arruda e outros militantes foram expulsos do PCB, agora Partido Comunista Brasileiro. Organizando o novo Comitê Central com dez integrantes do antigo Comitê Central do PCB e mais outros 15 antigos militantes comunistas, O PCdoB foi a primeira das muitas dissidências do PCB.
Portanto, não houve neste período anterior ao golpe a construção de uma identidade proletária e um respectivo projeto de sociedade que a afirmasse, nem por parte do PCB, por analisar a luta política por outra perspectiva, nem por parte de suas dissidências por não ter base social suficiente para tal construção política. E, com o cuidado de não apelar a um determinismo histórico de culpar a esquerda e a classe trabalhadora pelo golpe, e nem subestimar as forças conservadoras que estavam amparadas pelo imperialismo estadunidense, como coloca Marco Aurélio de Santana, é possível afirmar contudo, que a política da via pacífica e da aliança do proletariado com a burguesia para superar os atrasos históricos do Brasil não foi capaz de inviabilizar o retrocesso e construir a resistência ao golpe de 64, tendo em vista que esta só foi veiculada pelos setores progressistas da burguesia, defensores do trabalhismo, com destaque para a figura de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. 

Um comentário:

  1. Po Allysson, meu senso histórico é muito distorcido mesmo... hehe... Muito elucidativo e interessante o texto... hoje mesmo eu pensava "para onde o PCdoB está indo" e, óbvio, com ressalvas este texto nos dá elementos para pensar analogicamente. De qualquer modo não farei nenhuma avaliação acçodada, acho que meu senso de direção política anda prejudicado, pelo menos em parte.
    É isto... excelente post...

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