As discussões acerca do fortalecimento da nação estão em pauta no Brasil do século XXI. Isso certamente é inspirado nos grandes avanços políticos e econômicos da última década, em que se eleva a auto-estima do brasileiro, que vive melhor, que vê o seu país em posição relevante no cenário político internacional. No entanto, a construção de uma identidade nacional num país de dimensões continentais, de pluralidade étnica e cultural, coloca desafios que vão além da esfera econômica.
Ainda resiste no Brasil uma negação da nossa própria cultura, de forma que as características regionais, a cultura afro-brasileira, para dar alguns exemplos, sofrem de um preconceito institucionalizado, enquanto nos embebedamos de seriados da TV a cabo, filmes norte-americanos, coisas que em nada refletem as expectativas de nosso povo. Não há nação soberana que não valorize sua cultura, sua história.
Tratando mais especificamente do negro, é impressionante como parcela tão numerosa da nossa população tem sua cultura tão marginalizada e mistificada. Florestan Fernandes, em A integração do negro na sociedade de classes, vai buscar explicações no nosso processo histórico, desde o período abolicionista à consolidação da atividade burguesa no Brasil.
Para ele, o processo abolicionista teve um caráter nitidamente liberal, “inspirado na liberdade da pessoa humana”, porém sem nenhuma garantia da inserção do negro no mercado de trabalho, o que decididamente caracterizava um projeto das elites de desenvolvimento do capital e valorização do trabalho assalariado, como característica intrínseca ao capitalismo. Este processo estava acompanhado também da substituição do negro pelo imigrante, mais acostumado com as relações de produção capitalista. Na frase do Ministro da Agricultura Antônio Prado explicar-se-ia a política econômica : “Imigração em larga escala, na mais larga escala possível”.
Há uma valorização da participação do negro neste processo por parte do autor, no entanto esta teria sido de forma alienada. Segundo ele, os negros sabiam o que não queriam, mas não eram capazes de, coletivamente, apresentar um projeto distinto de sociedade que os incluísse. Isso se dava em parte, pela grande repressão senhorial a qualquer forma de integração entre os escravos ou manifestação de solidariedade entre eles. Isso os teria privado de qualquer forma de organização social quando da Abolição. Ou seja, além de evitar a organização dos negros para que eles viessem a se rebelar, os senhores também atacavam diretamente o contato com a religião, com sua cultura, com sua arte.
Isto está manifesto no filme Besouro, que trata da trajetória da capoeira. Vista como coisa de malandro, marginal muitas vezes até hoje, a capoeira só foi legalizada meio século depois da Abolição. Além disto, o filme mostra as formas de repressão e cooptação bem à moda brasileira. Vale a pena assistir.
Tem muita coisa interessante na cultura negra que não é explorada o suficiente.
ResponderExcluirMuito bom texo!
ResponderExcluirComo vc coloca, a uma construção ideologia- que é um das forças mantenedoras do capitalismo- que rejeita e marginaliza todas as formas destoantes as regras impostas por ele, a diversidade é um perigo a naturalização, pq ela - a naturalização- mantem a exploração como algo comum no imaginário coletivo. Com o negro e sua cultura isso não foi nem é diferente!
Como o Brasil não passou pelo feudalismo as formas de expropriação anterior ao capitalismo foi a escravidão , o que nos faz seguir essa rota opressora tão solidificada. É extremamente dificil romper com ela por conta do processo de desfacelamento da subjetividade.