terça-feira, 18 de janeiro de 2011

As contas do Império: Liberalização Econômica e Estabilidade Externa do Brasil: Será Possível?

 

Estreamos hoje a coluna de economia de Thiago Machado dos Santos. Responsável pelo funcionamento total do navio, Thiago junta-se ao motim a fim de cobrar a prestação de contas do navio. Sinal Preto!








Câmbio e Fluxo de Capital Internacional do Plano Real os dias de hoje

“O dinheiro leva sempre junto a si a possibilidade de crise” (Marx)

A liberalização econômica foi um fenômeno mundial, marcada pela: perda de poder da classe trabalhadora, por alterações na geopolítica mundial, mudança na relação monetária internacional e forte integração via meios de comunicação, em níveis jamais vistos. Tais tendências apontavam para a maior desregulamentação e integração financeira, possibilitando um novo arranjo internacional, onde “investidores” ou “especuladores”, dependendo da especificidade do capital poderiam ampliar seu dinheiro em qualquer região do mundo, sem a necessidade desse dinheiro representar melhora na qualidade de vida da população.
Graças à doutrina política que o Brasil adotou, seguindo a tendência mundial, a Conta Capital e Financeira passou a ser cada vez mais significativa na composição do Balanço de Pagamentos (BP), pois a manutenção do câmbio fixo e valorizado (a fim de controlar a inflação) dependia do grande fluxo de capital internacional, e das reservas internacionais que foram acumuladas no período anterior. Todavia, o câmbio sobre-valorizado aumentava o déficit em Conta Corrente, que se deteriorava cada vez mais, e com o aumento do déficit, o país se via ainda mais dependente do capital internacional, ou seja, esta lógica gerava um processo cíclico e cumulativo de dependência, que só poderia resultar numa crise de solvência com o capital internacional.
O Plano Real tinha sido lançado em junho de 1994 com US$ 43 bilhões de reservas internacionais, que, já em dezembro tinham caído para US$ 39 bilhões e em abril de 1995 as reservas já estavam em US$ 32 bilhões, até começar a se recuperar em função da ação oficial (GIAMBIAGI, 2005, P. 168), de elevar o juro real e a diminuição da expectativa de risco gerada pela crise do México em 1994. Esses elementos podem mostrar desde já, as limitações desse modelo macroeconômico e suas contradições quanto às condições econômicas externas e internas. 
A crescente dependência pode ser avaliada pela participação dos principais componentes no fechamento do saldo do Balanço de Pagamentos (BP), que tinha boa parte de seu saldo composto por investimento em carteira (títulos de renda fixa e ações), que representou, na média do período de janeiro de 1996 a agosto de 1998, (antes do início da crise) o equivalente a 235,34% do Saldo no Balanço de Pagamentos, sendo que, dentro deste componente, a participação de títulos de renda fixa (títulos que são remunerados de forma fixa atrelados a uma taxa de juros) era mais significativa, representando 181,76%. O investimento em ações representava 53,58%, em contrapartida, o investimento direto (compras de empresas nacionais e/ou abertura de novas multinacionais) representou apenas 74,25% do saldo, sendo o mesmo mais salutar que o investimento em carteira, só para se ter uma idéia, a participação da Conta Corrente (que de forma resumida, avalia a economia real) era de -130,48% do saldo da BP.
Essa super-dependência do investimento em carteira, denominado por muitos economistas como “Hot Money”, devido ao seu caráter especulativo e de curto prazo, se deflagrou na crise de 1998, com a reversão das expectativas dos agentes econômicos quanto à “realidade” do câmbio brasileiro, deflagrando um período de recessão econômica, com forte elevação do desemprego.
            A crise de 1998 inaugura um processo de desvalorização cambial que vai de 1998 a 2003, nesse movimento, o câmbio real do Brasil em relação ao dólar (deflacionado pelo índice de preços ao consumidor, IPC de cada país), saiu de 1,72 em dezembro de 1998, para 4,67 em setembro de 2002, uma desvalorização de 271,51% (estando, em setembro de 2009 a 1,67).
            Esta desvalorização possibilitou uma melhora na rentabilidade do setor exportador, alem de ter elevado o custo das importações, favorecendo a produção local e do setor exportador (contudo, deve-se lembrar que existe um tempo necessário, para a adaptação dos novos preços relativos e com isso da nova produção e expansão da mesma).
            A desvalorização cambial é revertida em 2003, e inaugura um novo processo de valorização cambial, que se mantêm até os dias de hoje. Esse processo pode ser dividido por três elementos centrais: 1) primeiramente um processo natural de revalorização, dadas às condições econômicas brasileiras; 2) “efeito China” (que será aprofundado num próximo artigo); 3) Mudança de percepção do “investidor” internacional quanto à realidade econômica do Brasil, principalmente a partir de 2007.
            Tratando brevemente do segundo ponto, o Brasil passou a apresentar crescimentos excepcionais das exportações para os BRIC, que de 2000 a 2009 teve um crescimento real das exportações, de mais de 12 vezes, enquanto as exportações cresceram 2,9 vezes no total, desta forma teve-se uma expressiva melhora no saldo da Balança Comercial e, por conseguinte da Conta Corrente, associado a isto, a China mudou a dinâmica de preços internacionais, favorecendo, pelo menos na última década, as commodities, que historicamente apresentam uma tendência de deterioração dos preços relativos em relação aos produtos industrializados.
            A criação de um novo centro gravitacional da economia mundial, e o câmbio desvalorizado (apesar de estar em processo de valorização) possibilitou que o Brasil apresentasse Saldo positivo em Conta Corrente, que chegou a quase 2% do PIB, ante ao histórico deficitário deste componente. Com isso, o Brasil pode reduzir sua dívida externa, se tornando posteriormente credor internacional em 2007. A mudança de posição da solvência externa brasileira, trouxe uma torrente de capital internacional, que inaugura um novo elemento da valorização cambial brasileira, mais relevante que o fator China no cenário atual.
            De acordo com Garcia e Dieder, o principal componente na avaliação de risco do “investidor internacional” é a relação dívida externa PIB, que melhorou sensivelmente graças ao efeito China e o câmbio mais desvalorizado, do período de 1999 a 2007.
            Em estudo que estou realizando, a forte entrada de capitais no Brasil, coincide com a mudança da dívida externa, passando a apresentar estrondosos superávits na Conta Capital e Financeira (vide gráfico abaixo):   
Olhando em retrospectiva, a Conta Capital e Financeira apresenta dois momentos com forte participação do investimento em carteira (Gráfico abaixo), pós o Plano Real até a crise em 1999, e de 2007 até os dias atuais. Contudo, justamente esse tipo de “investimento” que é considerado o “hot money”, ou seja, capital especulativo de curto prazo, a fim de encontrar o maior nível de rentabilidade possível, sem nenhuma ou muito pouca contribuição real para a economia.
Em contrapartida a composição da Conta Capital e Financeira, no período de 1999 até o início de 2004, o investimento direto era dominante, sendo o mesmo, um capital com características de trazer retornos reais para a economia, alem permanecer no país um período mais longo de tempo. Apesar da redução de seu peso relativo em 2005 pode-se dizer que até o início de 2007, ele ainda era bem mais significativo do que no período posterior.

Conclusão
O câmbio valorizado dificulta as exportações e a produção interna, dificultando o desenvolvimento da economia real, agravando o equilíbrio externo. O primeiro gráfico demonstra que o Brasil apresentou superávits em Conta Corrente de 2003 a 2007, passando a apresentar déficits daí em diante, mudando de trajetória durante a crise americana de 2008, que acabou favorecendo o Brasil (pelo menos do ponto de vista externo), e retomando sua trajetória posteriormente, chegando a agosto de 2010, num déficit de -2,32% do PIB num crescimento espantoso.  

            O Brasil tem tentado adotar algumas políticas que ajudem no controle da valorização cambial, adotando o IOF sobre movimento de capitais em carteira de 2% em 2007, o que ajudou muito pouco no fluxo de capitais internacional (apesar de ter afetado mais o “investimento” em títulos de renda fixa). Atualmente o ministério da fazenda aumentou o IOF para 4% e logo depois para 6%, apenas para “investimentos” estrangeiros em títulos de renda fixa. Entretanto, atualmente, ao contrario do que ocorreu pós-plano real até a crise de 1998, o principal componente do “Hot Money” é o “investimento” em ações, o que torna tais medidas um tanto quanto inócuas. 
Olhando as constas externas, pode se afirmar, que o Brasil ao longo desses 20 anos tem vivido sobre a égide do liberalismo, apesar do governo Lula ter trabalhado na melhora de alguns aspectos da economia, a favor da população mais pobre, entretanto, ele não mexeu na estrutura de acumulação de capital brasileira, nem sequer em termos desenvolvimentistas, num sentido mais efetivo da palavra.
            É importante se ter em mente que a economia caminha como a dialética, dentro de movimentos contraditórios e cumulativos, o fato de o Brasil ter hoje em dia, reservas internacionais de quase US$ 300 bilhões, não diz que o Brasil esta livre de uma crise em Conta Corrente, o mais importante é se verificar a lógica de acumulação e não apenas um ponto num dado instante, vale lembrar a experiência da Indonésia durante a crise asiática de 1997, que possuía reservas internacionais substancias, mas tais reservas não foram suficientes para conter a crise.
            Tais contradições, por mais que não se manifestem na realidade cotidiana da população brasileira, irá se romper, caso lógica de acumulação do capital não mude. Por exemplo, durante o governo FHC, a população se viu maravilhada com o Plano Real e o “aumento de renda” gerada pelo mesmo, contudo tal ilusão se deflagrou na Crise de 1998.
            O Brasil teve a sorte na mudança do cenário internacional, contudo, esses elementos têm gerado uma serie de contradições na economia nacional, que aos olhos da grande maioria da população, se passa despercebida, esse artigo se propõem a fazer uma crítica construtiva da política atual, a fim de acordar quanto ao norte da política a ser adotada.
Na passagem de Heráclito: “Os homens não compreendem como é possível como algo que se transforma incessantemente, possa, no entanto, permanecer coerente consigo mesmo. Há uma harmonia das tensões opostas, tal como o arco e a lira.” Mas, tais contradições mais cedo ou mais tarde se deflagram em uma crise, gerando novas possibilidades para uma síntese, seja ela benéfica ou não.

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