segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Navegando na América: A Herança de Bolívar


 
             
Este texto é um trecho da minha monografia de fim de curso em história pela UFRJ.
O trecho trata do diálogo do líder da independência de Cuba no final do século XIX, José Martí com o pensamento americanista de Simon Bolívar. Para quem tiver maior interesse em Martí, envio aqui um link de um artigo meu, publicado na Associação Nacional de História.

Por Lucas Machado

“Bolívar” (Martí, 1984, P.126-132).
                   “Somos los hijos de su espada”.  
           
Neste discurso proferido em 28 de outubro de 1893 para a Sociedade Literária Hispano-Americana, Martí faz um elogio do general libertador e discute as características do pensamento político de Simon Bolívar, principalmente quanto a seu americanismo e a proposta de unidade política e institucional dos territórios da América Espanhola. Atravéz da análise deste documento pode-se caracterizar as diferenças do americanismo martiano em comparação ás idéias bolivarianistas, quanto ao sentido do universalismo do conceito de Nuestra América.
A proximidade de linguagem deste discurso sobre Bolívar com o texto clássico Nuestra América, permite uma consideração mais apurada da visão martiana do papel do herói na condução da luta política. Primeiro Bolívar é descrito como o “homem verdadeiro” que sai das “entranhas da terra”. Com esta metáfora, próxima do “homem natural” do Nuestra América, Martí demarca a proximidade do líder com as aspirações legítimas de emancipação dos povos da América segundo a “alma da terra”, ele incorpora em seu pensamento e prática, a “natureza americana”, ou seja, as aspirações de um povo novo ou uma “civilização original”. “Seu ardor foi o de nossa redenção, sua linguagem foi as de nossa natureza”. O uso do pronome “nosso”, caracteriza de forma marcante os textos e discursos de Martí de maneira cada vez mais presente desde o final da década de 80 do século XIX. “Nossa” Pátria, “Nossa” América, “Nossa” natureza, são termos constantes que expressam uma intenção de elaborar e até demarcar as especificidades e originalidades das características históricas e culturais dos povos da América Hispânica.      
            As comparações metafóricas de Bolívar com a natureza americana são feitas atravéz de verdadeiras metáforas “vulcânicas”, “de Bolívar se puede hablar con una montaña por tribuna o entre relâmpagos y rayos” (Martí, 1984, P.126), não se poderia falar “com calma” de alguém que “nunca a conheceu”. A estética da linguagem literária em suas alusões á natureza americana “realiza” a concepção de que o conhecimento da América deve ser fundado em função de suas próprias especificidades, “Vivió como entre llamas e lo era”. Bolívar neste caso, figura como o exemplo de que Nuestra América surge “sino de si mesma” “ni de Rousseau ni de Washington” (Martí, 1984 P.128). Esta passagem é significativa da busca de Martí por elaborar um discurso que “funda” as especificidades da América Hispânica enquanto uma “civilização original” de origem e composição social violenta e turbulenta, mas nem por isso, menos grandiosa. Bolívar figura como um herói destes tempos de “lava” em que irrompem as guerras e o processo da independência. “Desata” raças, vence aos homens e a natureza e corre com a “bandeira da redenção” mais mundo do que os conquistadores com a tirania.
A crônica descreve uma batalha, e como é de se esperar, Bolívar tem sua face destacada frente á multidão que peleja. Junto a ele, se encontra Sucre, Ribas e Paez. Os lideres incorporam na representação literária, a aspiração das “massas”. Porém, a tensão anteriormente referida do líder militar e sua vontade de se sobrepor aos demais no comando dos desígnios da República aparecem como tema, também, na representação literária de Simon Bolívar. Martí ao mesmo tempo em que reconhece o papel grandioso e heróico de Bolívar como fundador de um americanismo universalista, critica os métodos e o próprio objetivo político de unir institucionalmente os povos da América Hispânica:
“Acaso, em su sueño de gloria, para la América y para sí, no vio que la unidad de espíritu, indispensable a la salvacíon y dicha de nuestros pueblos americanos, padecía, más que ayudaba, com su unión em formas teóricas y artificiales que no se acomodaban sobre el seguro de la realidad: acaso el genio previsor que proclamo que la salvación de Nuestra América está em la acción una y compactade sus repúblicas, en cuanto a sus relaciones con el mundo y al sentido y conjunto de su porvenir no pudo (...) conocer la fuerza moderadora del alma popular”. (Martí, 1984, P.131).
            Em função de um contexto político em que as diversas Repúblicas hispano-americanas estavam se consolidando, não faria sentido entender o americanismo enquanto uma proposta de unidade política, ao invés disso, Martí ressalta a necessidade de “unidade de espírito” das repúblicas hispano-americanas frente ás negociações com os demais países do mundo e também quanto ao planejamento de seu porvir, atuando enquanto nações irmãs, abraçadas por uma mesma “mãe-pátria” americana. A revolução nascida com “múltiplas cabeças” não poderia ser governada abaixo de um “governo central”. A ambição de Bolívar de uma unidade política continental revelaria a tensão entre o militar e o político libertador.
Além disso, as revoluções de independência do inicio do século XIX são identificadas por Martí enquanto revoluções “criollas”, que não souberam “conhecer a
força moderadora da alma popular”. Desta forma o discurso se movimenta em duplo sentido, exalta o heroísmo da independência, mas identifica algumas de suas possíveis limitações, principalmente a de não ter conseguido incorporar nas repúblicas, diversos grupos sociais que foram excluídos da cidadania e que conformam esta “alma popular”. 

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