Meus caros, discutir arte não é exatamente a minha praia – mas viva o motim intelectual! Me arrisco a receber as críticas inclusive de nosso marujo Lucas. Nada de novo, entretanto, mas não poderia perder a oportunidade de fazer essa reflexão abaixo, que venho pensando há tempos.
Por Tiago Magaldi
A apresentação do novo filme de Zé Padilha, continuação do primeiro sucesso de bilheteria estrelado por Wagner Moura, reacendeu a polêmica que havia se instalado em algumas partes do Rio acerca do suposto caráter fascista dos filmes. Logo depois da estréia do primeiro Tropa de Elite vi as opiniões se dividirem entre aqueles que achavam o filme claramente fascista e os outros, que viam nele uma crítica ao modelo – este sim, fascista – de segurança pública do estado do Rio de Janeiro cujo maior expoente simbólico era – e é – o BOPE. Claro, dessa divisão excluem-se aqueles que simplesmente assistiram ao filme pela garantia de diversão, indiferentes, conscientemente ou não, à influência que o filme porventura poderia ter tido sobre as suas opiniões sobre segurança pública. (Antes que tomem esta última frase por uma crítica aos que apenas buscam garantir a diversão do final de semana, digo que não se trata aqui de retomar a ladainha, muito dita hoje e que será, imagino, repetida ainda por muito tempo, que prega vivermos atualmente um tempo de decadência, em que ninguém pensa nada criticamente, etc.) Apesar de não fazer parte deste grupo, muitas vezes não faz mal uma certa indiferença aos enigmas que aparentemente existem por detrás das mais interessantes experiências pessoais – ao contrário de certas atitudes blasé que vemos por aí.
O fato é que, dentre as pessoas que conheço instalou-se a tal polêmica quanto ao primeiro filme. É ou não é fascista? Capitão Nascimento é o herói ou o bandido? O filme é a sua glorificação ou condenação? Uns afirmavam que sim, que o filme era, em todos os sentidos, fascista. Outros, que não, que o filme se fez sangrento e chocante justamente para destacar a crítica àquele modelo. A estréia do segundo filme jogou água no chope daqueles que adotaram a crítica contundente ao filme, denunciando seu caráter fascista. Nele, o protagonista aparece mais reflexivo, ampliando seu campo de visão quanto ao jogo político no qual estaria inserido e a sua função como mero repressor da “bandidagem”. O filme inclusive termina com seu protagonista pleiteando o fim da Política Militar do Rio de Janeiro. Aparentemente, esse desfecho encerrou a questão. Mas não pra mim, ainda.
Como estou tentando dar a entender, os dois parágrafos anteriores correspondem àqueles interessantes preâmbulos de documentos legais, geralmente tratados internacionais (ou os vergonhosos Atos Institucionais): o momento dos “considerandos” – sendo, aliás, a parte mais interessante desses documentos, pois condensam as verdadeiras motivações políticas dos trâmites burocráticos que virão a seguir. Bom, considerando toda a discussão até aqui, notamos que seus interlocutores buscam, em suma, definir o que o filme é (ou não é), buscando cada qual, para isso, os momentos do filme mais interessantes para embasar sua opinião. Pois é nesse ponto que estão errados.
Durante uma das inúmeras discussões que presenciei sobre o filme escutei o argumento que me daria a idéia de escrever esse texto; em suma, foi dito: “o filme é uma crítica à violência policial, as pessoas que o assistiram é que não perceberam”. Pois é. Isso me levou a pensar: então, será que o filme pode efetivamente ser assim ou assado? Crítica ou apologia? Um filme é, materialmente, pouco mais que uma seqüência de imagens e sons. Isso é o que ele é. Mas sobre isso se constroem interpretações. Então um filme será aquilo que cada um interpretar que ele seja. Naturalmente, não se trata de uma seqüência aleatória de imagens e sons: os profissionais que fazem o filme detém, teoricamente, o controle de quase tudo aquilo que será apresentado, ao final, ao público. Mas eles não possuem um controle determinante das interpretações a serem feitas a partir do filme, sejam essas conscientes ou não – isso em teoria.
(Faço uso desse subterfúgio - “em teoria” - não por temer a fraqueza da minha argumentação e deixar uma rota de fuga em aberto – afinal de contas, essa é uma opinião absolutamente despretensiosa – mas por ser fácil notar que algumas interpretações podem hegemonizar qualquer discussão, tornando-se fato consumado: o filme será aquilo que diz essa interpretação. Assim, por exemplo, Arnaldo Jabor pôde estrear seu A suprema felicidade e, ato contínuo, defendê-lo das pesadas críticas que recebeu n’O Globo, buscando hegemonizar sua interpretação – será que ele aprovaria semelhante postura ética de outrem, aliás? Me pareceu um tanto “estalinista” da parte de tão honrado cidadão...)
Não me parece sensato, obviamente, ignorar o fio condutor tecido pelos próprios realizadores do filme. É claro que a forma como o filme foi montado restringe as possibilidades de interpretação, estabelecendo certos limites; mas admitir a posição privilegiada da interpretação dada por aqueles à sua obra não significa admitir também que essa interpretação será naturalmente transplantada para a consciência do público. Entre a intenção do diretor e o público existem mais coisas do que supõe nossa... etc etc. Ainda mais em se tratando de filmes do “circuitão”, com vasto público, naturalmente heterogêneo.
Resumindo: se se pretende discutir a influência de qualquer filme é inócuo debater sobre o que filme é, mas sim o que queria o diretor e seus realizadores a princípio e quais foram as interpretações dadas à obra.
E, na minha humilde opinião, indiferentemente àqueles que viram no Capitão Nascimento uma crítica feroz à política de segurança no Rio de Janeiro, ele se tornou um aclamado herói nacional, um exemplo a ser seguido. Infelizmente.
Grande Magaldi!!
ResponderExcluirGostei da forma com a qual você abordou a questão do filme: "Resumindo: se se pretende discutir a influência de qualquer filme é inócuo debater sobre o que filme é, mas sim o que queria o diretor e seus realizadores a princípio e quais foram as interpretações dadas à obra".
Concordo plenamente com o eixo de abordagem, diria até que ele assume o aspecto de uma crítica histórica da cultura. Quando se estuda um texto, um filme ou uma obra de arte há de se distinguir as intenções do(s) autor(es)em relação á recepção feita pelo público. As intenções do autor podem ou não serem bem sucedidas em relação ao que o público apreende.
Quanto á imagem capitão nascimento-herói, eu diria que ela é no mínimo controversa e polêmica, mas eu acho que é isso que você queria expressar com o "infelizmente".
Sinal Preto!
Pois é meu amigo, pela linha que eu sigo não tem como concordar com a figura do capitão nascimento - um "correto", "honesto", enfim, que usa a violência pra preservar sua integridade... uma fórmula totalmente bizarra. Mas escrevi isso pensando nas discussões que tive logo depois do filme ter lançado, uma galera dizendo que era fascista, a outra que era uma dura crítica e tal... talvez o diretor quisesse uma crítica a princípio e no 2º filme tentou contornar, mas o próprio modus operandi do personagem é o problema.
ResponderExcluirJá vi muita gente que simplesmente vê o Capitão Nascimento como o "boladão-porradeiro", associando aos filmes americanos. Ouvi comentários do tipo quando do anúncio de que Wagner Moura faria um filme no estilo com o Matt Damon.
ResponderExcluirA influência e interpretação de um filme ou obra artística vai estar relacionada com o comportamento da sociedade, com sua visão de mundo. Creio que tudo tem relação com momento da história, vide as críticas de racismo à Monteiro Lobato,que talvez no passado não tenha tido nenhuma ou pouquíssimas críticas neste sentido. Como em minha mera visão enxergo a sociedade com uma massa passiva que está a espera de que alguém resolva seus problemas de forma rápida ou seja um "messias", Esse Messias está representado pela figura do Capitão Nascimento e ela enxerga como a solução rápida de todos problemas a violência(fascismo), acho que o filme uma forma geral foi absorvido de forma facista e messiânica, apesar de eu não ter visto o filme apenas desta forma. Talvez eu tenha chovido no molhado, mas fica ai minha opnião.
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