quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As manifestações, o Estado e os debates acerca da violência: uma contribuição singela

Creio haver um certo fetiche da violência nos debates que cercam as manifestações. Nada mais natural. Toda discussão moderna sobre o que é o "Homem", e aquilo que o diferencia dos outros animais se encerra no entendimento de que o homem produz cultura, se afastando do "estado de natureza" como diria Hobbes, e assim, ao se organizar em sociedade estaria buscando harmonia, se afastando do "estado de guerra", como quer Durkheim. Portanto, homens não deveriam ir "às vias de fato" em nome de seus interesses particulares, mas submetê-los à moral, aos valores que regem a sociedade.
Tudo isto leva a uma negação da força física como instrumento humano, apesar dela sempre ter sido um instrumento humano. Deverá então o Estado ter o monopólio da violência, afim de garantir a manutenção das leis, para que não se rompa os elos sociais. E o Estado é de fato violento, está em sua essência e não é nenhuma novidade. Felizmente, há também no pensamento humano os teóricos que enxergam os conflitos que movem a sociedade, recusando a perspectiva da harmonia. Assim, para Marx, o Estado não é este ente moral e neutro que garante a harmonia, pois a sociedade moderna, e algumas outras, se organizam em classes sociais. Há aqueles que são donos dos meios de produção, e há outros que só possuem sua força de trabalho. Neste conflito, não há como o Estado ser neutro, e para garantir a ordem muitas vezes é preciso que funcione como braço armado dos interesses dominantes. Neste caso, a luta dos dominados precisa se valer da violência enquanto instrumento de luta, mesmo que essa violência não seja legítima aos olhos da sociedade, já que só o Estado pode exercê-la. Porém, é importante destacar que a violência jamais pode escapar deste caráter de instrumento, e não se tornar o fim da luta, ao passo que é preciso que se atribua um fim à luta.
Quando debatemos a situação das Manifestações de Junho, que no Rio de Janeiro não pararam em junho, é preciso olhar à luz da história esse debate. Tampouco não é novidade que no Brasil o Estado é violento, mas é preciso entender que passos foram dados na luta do povo. Durante muito tempo se lutou, de forma violenta inclusive, para que se tivesse direito à fala nesse país e em toda a América Latina. A superação das ditaduras militares e a paulatina superação do neoliberalismo põe a luta do povo em outro patamar, sendo possível ir às ruas e expressar o que se deseja. É verdade que a implementação do programa liberal também ressignifica este ato de se expressar, uma vez que se esvaziaram os movimentos e partidos políticos e se coloca em xeque a possibilidade de representação, indo cada um às ruas com seus cartazes.
Não tenho qualquer problema com o novo. Ao contrário, sou entusiasta dele. No entanto, a inversão deste fetiche da violência, significa fetichizá-la, também. A negação do processo histórico, interpretações nas quais "ainda vivemos uma ditadura" e a separação entre pelegos e revolucionários que toma como medida o uso de escudos e paus ou não pode significar o esvaziamento da pauta política.
Não serei eu que condenarei o uso da violência, mas peço a mesma tolerância aos que enxergam a necessidade de outras formas de luta, que a conjuntura atual permite, devido a luta de outros que nos antecederam. A violência é física, mas também é simbólica e se expressa nas diversas formas de relação da vida social. Nas relações de trabalho, na construção do conhecimento, na padronização cultural, nas relações conjugais e familiares, etc. A cada uma dessas formas é preciso reagir, e estou convicto que com apenas paus e pedras não resolveremos essas contradições, mas sim com consciência coletiva e com a perspectiva de construção de uma nova sociedade, não apenas a velha remendada.

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