quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Discutindo o texto "Cem anos de Cultura e Anarquia"

A escolha desse pequeno texto de Raymond Williams pode parecer aleatória ao leitor, mas tem a grande pretensão de discutir alguns fenômenos da política no contexto da República, em especial alguma capacidade discursiva da classe dominante em defender valores humanistas, democráticos sem deixar de tomar as medidas necessárias para garantir que o povo esteja afastado das grandes decisões.
O texto data da década de 1960 e busca entender a influência da interessante figura de Matthew Arnold, que viveu cem anos antes do texto de Williams ser escrito. Sua coletânea de palestras havia se intitulado "Cultura e Anarquia" e soava como um manifesto do que deveria ser a política republicana inglesa.
Cultura e anarquia seriam dois opostos no pensamento de Arnold: os então sagrados direitos à democracia, tão comuns a seu tempo, não poderiam se estender às manifestações públicas no Hyde Park, essas representantes do caos, da desordem, da anarquia.

A ênfase de Arnold na cultura foi uma resposta direta à crise social daqueles anos, e o que ele viu em oposição à cultura foi a anarquia , em um sentido bastante similar a muitas descrições públicas recentes de manifestações e de movimentos de protesto. Ele não se via ou se apresentava como um reacionário, mas como um guardião da excelência e dos valores humanistas. Tanto naquele momento quanto hoje, essa é a força de seu apelo.(WILLIAMS,2011)

O que reside nesta reflexão de Williams é uma dura crítica ao discurso republicano ministrado pelas elites. Foram reprimidos os protestos em Hyde Park em 1860, no contexto onde se discutia se esses mesmos manifestantes deveriam ter direito a voto. Os mesmos valores inspirariam nova onda conservadora em 1960. Para nós, brasileiros em 2015, a figura de Matthew Arnold pode parecer bastante distante, no entanto o discurso oficial permanece sendo o de estranhamento às grandes manifestações de massa, e a "anarquia" aqui se converte em "vandalismo" e similares.
Em Arnold, e não apenas nele, esse conceito de cultura nada mais é que um par da da razão, do progresso e da ordem. Razão e progresso fariam bem à toda sociedade, de maneira que já não é mais um projeto de classe, mas um "desejo universal". Já a ordem deve ser mantida às custas de qualquer tipo de insatisfação.
O que poderia ser dito a Arnold é que desta "anarquia" se gera cultura. Talvez não a mesma que ele deseja, provinda dos hábitos diletantes de uma elite intelectual, mas a cultura como prática social, como a existência que proporciona novos saberes, e este sem dúvida é o caldo cultural para uma larga geração de jovens brasileiros, o legado de todo o processo que culminou e não terminou nas Manifestações de Junho: a construção de sujeitos coletivos, ativos e reivindicantes, e não mais passivos em relação à uma república distante. Às santificadas representações republicanas cabe não mais apropriar-se de uma pauta ou outra, mas o intenso mergulho nesta cultura, nesta "anarquia".

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