segunda-feira, 21 de março de 2016

Uma interpretação da luta política no Brasil




O Brasil vive uma crise política aguda que teve início no segundo governo Dilma, após a vitória apertada no segundo turno contra Aécio Neves, candidato tucano, em 2014. Desde então, se faz claro o desgaste dos governos petistas, ainda que o Partido dos Trabalhadores ainda se mostre com grande enraizamento na sociedade, o que foi provado nos atos do último dia 18 de Março, levando milhões às ruas em defesa da democracia e pedindo a manutenção da presidenta Dilma no cargo.
Naturalmente, as razões desse desgaste são alvo de reflexões de partidos políticos, intelectuais, jornalistas e de toda a sociedade civil, de maneira geral. O PT, partido nascido das lutas sindicais do ABC paulista, teve seu primeiro mandato em 2003 com o então presidente Lula. Estamos em 2016, e durante todo este tempo foram implementadas medidas que viabilizassem o consumo de massa e o fortalecimento do mercado interno no país (aumento real do salário mínimo, crescimento do salário acima da inflação, expansão do crédito e uma série de programas sociais que tiveram este mesmo fim) e que garantissem a ampliação dos direitos democráticos, fortalecendo as instituições públicas e garantindo sua autonomia, expandindo o acesso à universidade e o ensino técnico, dentre outras coisas. Desta maneira, o PT se posiciona na sociedade brasileira como o partido do combate à pobreza, por meio destas políticas que garantiram grande desenvolvimento econômico, combateram o desemprego e permitiram que falássemos em soberania nacional. 
Este produto político petista foi formado a partir de um pacto estabelecido com os setores dominantes. Às vésperas das eleições de 2002, a esquerda já havia virado o debate em torno da política de privatizações a seu favor, e a burguesia não conseguia dar respostas às sucessivas crises econômicas que se deram no governo FHC. No entanto, não havia uma máquina eleitoral forte que pudesse sobrepor o projeto neoliberal, de maneira que o PT venceria as eleições presidenciais mas não teria hegemonia no parlamento. Desta maneira, o PT construiria um arco amplo de alianças para sustentar esta política de desenvolvimento e de combate à miséria sem desestabilizar a estrutura de poder, garantindo grandes lucros aos bancos, permitindo desenvolver a indústria no país, o agronegócio e mantendo intacto o oligopólio dos meios de comunicação. O Partido dos Trabalhadores construiu este pacto a partir de articulações de cúpula, e diante da grande hegemonia que tem entre os movimentos sociais, promoveu também um esvaziamento crítico destes, já que era necessário compreender as concessões feitas em nome desta guerra de posição colocada.
Tais políticas tem graves impactos na sociedade brasileira. Por um lado, é perceptível o aumento da renda do povo de uma maneira geral, ainda que alguns argumentem que isto se deveu mais à oportunidade mediante a crise econômica internacional. De toda maneira, o Estado passa a ter mais papel na promoção do desenvolvimento. Todavia, diante do enfraquecimento da luta popular, os embates estratégicos ficaram estagnados, e este aspecto somado ao crescimento da renda de uma maneira geral influencia a formação da consciência do povo, aspecto este que pretendo desenvolver melhor. 
A partir de campanhas eleitorais, produção intelectual e discurso de governo, o PT fomenta uma ideologia do consumo, na qual a inserção social e cidadã se dá a partir do crescimento do poder de compra. Isto é muito importante, já que cumpre papel em diluir os anseios coletivos, a organização popular. A ideia de "classe trabalhadora" dá lugar à "nova classe C", que não organiza o povo a partir de seu papel na produção, mas a partir da renda e do acesso ao consumo. Assim, as análises atuais costumam chamar a atenção para a perda de influência do Partido dos Trabalhadores na chamada "classe média". Contraditoriamente, apesar de parecer que é o próprio PT, mediante suas políticas, que veio a "criar" esta mesma classe média, a ausência de pertencimento coletivo e de horizonte político por parte do governo faz com que estes cidadãos se identifiquem social e politicamente com a elite brasileira, manifestando reivindicações como redução de impostos, privatização de empresas, combate à corrupção e até mesmo reproduzindo valores referentes ao anticomunismo. 
Neste momento atual, como manifestado anteriormente, a fragilidade do governo está no seu isolamento perante a sociedade. Conta hoje com a base social organizada tradicionalmente pela esquerda, assim como tem grande entrada na intelectualidade e em figuras progressistas do Estado comprometidas com a garantia da democracia. No que diz respeito aos trabalhadores mais pobres, o clima é de incerteza: Lula ainda demonstra ter grande carinho por este segmento expressivo da população, mas também se fortalece o discurso midiático da corrupção. Este cenário é grave sobretudo diante da fragilidade do sindicalismo que perde progressivamente a confiança dos trabalhadores. Também está enfraquecida estruturalmente a base sindical, já que boa parte do emprego no país se concentra no mercado informal, que em geral não tem acesso à sindicalização. Além disto, a pressão sobre o governo busca impor medidas cada vez mais conservadoras e o cenário geral do país é de ampliação do desemprego e enfraquecimento da economia. Também este pacto, como expressado anteriormente, mantém a estrutura de poder de classe, o que socialmente significa a criminalização da população pobre, a dificuldade de moradia e a mercantilização do espaço público. Muitas vezes esta situação se mantém por estar em contradição com as políticas de desenvolvimento, onde as formas de vida tradicionais são sacrificadas em nome do crescimento nacional.
Particularmente a esquerda que está fora do governo atua neste fluxo político, pondo a nu estas contradições, ainda que, justamente por isso, se colocam distantes de conseguir articular um projeto nacional, se limitando a influência regional. A esquerda tradicional segue apostando nas pautas corporativo-sindicais, além da defesa da democracia, mas precisa estar mais atenta a este movimento do capitalismo brasileiro onde novas pautas vão sendo colocadas. Infelizmente, a direita, sobretudo por meio da Rede Globo, é quem mais tem sucesso em apontar o caminho para o futuro. Incidem sobre o tema da corrupção, deslocando-o do problema do caráter burguês do Estado e vinculando-o ao PT e começam a construir hegemonia em torno do programa neoliberal, que diante da crise se coloca novamente como "a única solução" para a economia. Por trás das cortinas, a Justiça e a mídia atuam em consonância solapando a soberania nacional, desvalorizando a Petrobrás por meio da desmoralização da empresa e articulam-se com o imperialismo para interromper o processo autônomo brasileiro.
É preciso, portanto, olhar mais para o futuro. Em nome da estabilidade do governo, o PT vem acatando o programa neoliberal como saída para a crise, e com isso se afasta dos trabalhadores sem conseguir a estabilidade desejada. Olhar para frente significa, portanto, pensar que a esquerda só pode sobreviver se opuser à burguesia um novo projeto de sociedade. Afirmá-lo significa buscar se aproximar de sua base e se manter altivo quando esta crise tiver um desfecho. No entanto, o bom estrategista precisa estar pronto para a derrota, preparando a vitória que se dará em seguida.     


  

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