terça-feira, 8 de novembro de 2016

Consenso e Coerção no Brasil de Michel Temer

O cenário político vivenciado atualmente foi costurado mais intensamente nos últimos dois anos, trabalhando-se na unificação da classe dirigente nacional e rompendo o "pacto pelo desenvolvimento" que sustentou os governos Lula e Dilma. A plataforma política e moral do combate à corrupção, emulada pelos grandes meios de comunicação durante estes quatorze anos, finalmente conseguiu abrir passagem para o debate neoliberal no plano econômico, encontrando pouca resistência na classe trabalhadora, tema que já foi debatido em outros textos no Sinal Preto.
É importante pensar o rompimento do pacto mencionado no contexto de interrupção do crescimento econômico brasileiro. Após avanço considerável nesta área nos governos Lula, com desenvolvimento econômico centrado na expansão do agronegócio, mas com considerável crescimento da indústria, do mercado interno e da produção de conhecimento, ciência e tecnologia, o governo Dilma enfrentou uma crise que se abateu com maior intensidade na América Latina, apostando assim na regulamentação da exploração da camada Pré-sal como medida estratégica de continuidade do crescimento do Estado brasileiro. Houve também uma tentativa inicial de redução dos juros mediante política ofensiva do governo, mas que por não ter respaldo social não se sustentou.
Outro aspecto que permitiu o rompimento do "pacto pelo desenvolvimento"  foi a continuidade das políticas de redução da desigualdade social e aprofundamento da democracia, manifestas nos programas sociais, na aprovação das cotas em universidades. O agravamento da crise impunha a necessidade de que a classe dirigente mantivesse seus lucros em alta, que determinou um progressivo isolamento da esquerda no parlamento, ainda no governo Dilma.
O golpe encontrou uma classe trabalhadora desorganizada. Sem dar um tiro sequer, a classe dirigente conseguiu construir um consenso na sociedade que o combate à corrupção passava por superar a esquerda no poder, e o fizeram, num processo que culminou nestas últimas eleições municipais de 2016. Já para implementar seu projeto econômico enfrentam maiores dificuldades, e é precisamente aonde se coloca a oportunidade de recuperação política da esquerda. Se já no debate da redução da maioridade penal a esquerda conseguiu se somar aos mais diversos movimentos de juventude, organizações anti-racistas e demais setores sociais progressistas em luta de resistência, a PEC 241 (agora 55), faz crescer a resistência popular e ajuda a emular o movimento estudantil e aproximá-lo da juventude em geral. Este é um movimento estratégico para a classe dirigente brasileira, já que é a mais acabada materialização do projeto econômico neoliberal, no qual se visa congelar os investimentos sociais em 20 anos e preservar o crescimento dos bancos, mantendo juros elevados e não combatendo a dívida pública.
No entanto, a PEC é muito impopular. Atinge não somente os setores da classe trabalhadora mais próximos do movimento social organizado, mas à toda ela. Isto pode permitir a esquerda construir o movimento contra-hegemônico que ela deve buscar, qual seja: uma aliança dos setores formais da classe trabalhadora, da juventude estudantil, dos trabalhadores rurais com os movimento negro, comunitário, de mulheres. Não à toa o governo e a imprensa tem trabalhado na criminalização dos movimentos sociais, tentando desocupar escolas, responsabilizando as entidades estudantis pelos problemas enfrentados na realização do ENEM e invadindo a Escola Nacional Florestan Fernandes. É a tentativa de construir o consenso na sociedade em torno de seu projeto econômico, coagindo a esquerda e buscando isolá-la.
Apenas a partir da construção de um campo social deste tipo, ganhando capilaridade na sociedade e organizando resistência, poderemos almejar uma cisão na classe dirigente e condições mais avançadas para uma crise na atual hegemonia. Falar em composição com o "centro" num cenário onde este foi capturado pela direita só pode significar rebaixamento do programa da esquerda e aceitação do atual rumo político. Da mesma maneira, antecipar o debate das eleições de 2018, significa reduzir todo o debate político à disputa do Estado, quando há uma disputa anterior a ser feita na sociedade.

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