quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O barbeiro

Há dois anos que as notícias boas são meras exceções. Hoje caiu mais uma bomba sobre nós. Bomba estranha, nada destrói além de nossas almas, ao passo que os corpos parecem se mexer da mesma maneira que antes. E seguindo a tendência, fui sem alma cortar o cabelo.

- E aí, garotinho. Será que o Alci corta o seu cabelo hoje ou vai sair cabeludo de novo?
- Vamos ver. Cadê ele?
- Chega aí, Allysson. Vamos lavar o cabelo primeiro. Como está o seu pai? E o garoto? - perguntou Alci, enquanto a barbearia enchia.
Não sei muito bem como, mas enquanto eu pensava na bomba de hoje o assunto já estava na política. Eleições municipais.
- Tinha o Crivela né... eu votei no outro, agora são eles dois - disse o velho que aguardava sua vez.
- Votou no maconheiro? - perguntou Alci, com seu jeito debochado. Eu ri.
-  Ele é maconheiro?
- Ô!
- Assim é bom, quem sabe ele me convida. Como é o nome dele? - retrucou o velho.
- Freixo!
- É isso, votei no fresquinho.
- Minha filha votou no Freixo, eu tentei fazer a cabeça dela, mas ela diz que ele é o melhor... - falou Alci, agora se dirigindo a mim. A filha é estudante de Geografia, o que a faz personagem das histórias de Alci nas conversas comigo. Ela nos aproxima.
- É né? Eu votei na Jandira. - respondi, aguardando a hora certa para entrar no assunto Freixo.
- Eu votei nulo.
Agora entrava o rapaz da cocada. Sempre vende lá no portão do condomínio. Alci foi buscar o copo de café para ele. Conversavam sobre os negócios, sobre o barbeiro da rua do lado que morreu... O da cocada reduziu seu percurso porque não estava valendo à pena.
- A coisa tá dura, Allysson. - disse Alci
- É?
- Comércio tá muito estranho, ninguém tem dinheiro. O Estado não quer pagar nem o décimo terceiro do pessoal.
- É, eles quebraram o Estado.
- E você já conseguiu emprego?
- Ainda não. Tô só pegando uns bicos.
- Enquanto esse governo não acertar a política...
- Pois é, Alci. Hoje eles entregaram o Pré-Sal pros gringos.
- É mesmo??
- Agora não precisa ser mais a Petrobrás a explorar o Pré-Sal. Assim que esse Temer diz que vai resolver as coisas, tirando emprego, dinheiro pra educação, saúde.
- Mas já venderam? Ou só mudou a lei?
- Ainda não, mas é o próximo passo né?
- Uhum.
E se fez um longo silêncio. Deu-se lugar às piadas sobre o casamento do outro barbeiro, protagonizadas por Alci.
- Bom, chega que se eu corto mais você vai ficar careca igual a mim.
- Até logo, Alci. As coisas ainda vão melhorar.
Ele riu simpático, mas descrente. E eu saí sem a certeza se a mensagem foi correta. Mas seguimos em comunhão.


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