Ontem, ao final da tarde, conversava com um popular. Ele não queria falar sobre política, afinal Bolsonaro ou Haddad não muda nada, não vão me dar nada. Ele queria dizer que o que faria a diferença em minha vida seriam três coisas: auto-estima, ter uma grande ideia e pessoas que acreditam nela. Desenvolveu sua teoria por esse caminho, mostrando ter introjetado em si valores empresariais, mentalidade de negócio, empreendedorismo. Li recentemente um texto de Dardot e Laval*, em que os autores abordavam a maneira como se conseguiu alcançar uma estrutura de poder de tal monta que hoje se produzem "sujeitos neoliberais" no mundo. Para confirmar essa tese ele terminava lançando a nova máxima que o governo só atrapalha, cobrando impostos.
Esta conversa me deixou com profunda tristeza. Irônico, pois o objetivo do sujeito era me animar, mas naquele momento soube que perderíamos a eleição. Uma impressão que me acompanha há alguns anos também se confirmava: perdemos na disputa dos valores, não fizemos a disputa da hegemonia. A incursão no Estado nos fez muito mal, não resta dúvidas, já que a defesa da democracia, a defesa das empresas públicas brasileiras, dos nossos recursos naturais, do combate à desigualdade social já não são mais as causas do povão. Ocupando-nos das políticas públicas de Estado, fizemos do sindicalismo, e dos movimentos que o cercam, correia de transmissão do governo, e deixando de fazer trabalho de base, de vocalizar as angústias dos mais pobres e transformá-las em luta política, deixamos também de produzir consensos à esquerda. O povo já adquiriu outros princípios, e Mano Brown tem toda a razão, afinal.
Talvez disto seja feita a política: de ondas, como diria Álvaro García Linera. As ondas de contestação são elas próprias o alimento revolucionário. É justo dizer que ele também acredita que o Estado pode fixar consensos. A experiência brasileira mostra que esta fixação tem prazo de validade: instituições democráticas estabelecidas há exatos 30 anos pela Constituição de 1988 estão em plena derrocada, e mesmo a classe dominante parece, por vezes. jogar elas fora como a um brinquedo quebrado,e por outras, subvertê-las em marionetes de seu autoritarismo.
A campanha de Haddad, por outro lado, termina muito bem. De maneira altiva, conseguiu envolver diferentes camadas da sociedade em torno da defesa da democracia, angariando ações espontâneas e sentimento de companheirismo. Este sujeito político-social formado não pode se diluir. É preciso que as representações populares, ainda que muito imersas nas suas políticas de Estado, despertem para este aspecto e sejam capazes de organizar este sentimento e transformá-lo em política de base, para a disputa da hegemonia. Se acreditarmos nas "ondas" de Linera, Bolsonaro também passará, assim como passou Temer, mas é preciso que chegado este momento nós sejamos a alternativa.
* DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016. p.13-34, 377-402.
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