segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Algumas notas para debate

Ontem, ao final da tarde, conversava com um popular. Ele não queria falar sobre política, afinal Bolsonaro ou Haddad não muda nada, não vão me dar nada. Ele queria dizer que o que faria a diferença em minha vida seriam três coisas: auto-estima, ter uma grande ideia e pessoas que acreditam nela. Desenvolveu sua teoria por esse caminho, mostrando ter introjetado em si valores empresariais, mentalidade de negócio, empreendedorismo. Li recentemente um texto de Dardot e Laval*, em que os autores abordavam a maneira como se conseguiu alcançar uma estrutura de poder de tal monta que hoje se produzem "sujeitos neoliberais" no mundo. Para confirmar essa tese ele terminava lançando a nova máxima que o governo só atrapalha, cobrando impostos.

Esta conversa me deixou com profunda tristeza. Irônico, pois o objetivo do sujeito era me animar, mas naquele momento soube que perderíamos a eleição. Uma impressão que me acompanha há alguns anos também se confirmava: perdemos na disputa dos valores, não fizemos a disputa da hegemonia. A incursão no Estado nos fez muito mal, não resta dúvidas, já que a defesa da democracia, a defesa das empresas públicas brasileiras, dos nossos recursos naturais, do combate à desigualdade social já não são mais as causas do povão. Ocupando-nos das políticas públicas de Estado, fizemos do sindicalismo, e dos movimentos que o cercam, correia de transmissão do governo, e deixando de fazer trabalho de base, de vocalizar as angústias dos mais pobres e transformá-las em luta política, deixamos também de produzir consensos à esquerda. O povo já adquiriu outros princípios, e Mano Brown tem toda a razão, afinal.

Talvez disto seja feita a política: de ondas, como diria Álvaro García Linera. As ondas de contestação são elas próprias o alimento revolucionário. É justo dizer que ele também acredita que o Estado pode fixar consensos. A experiência brasileira mostra que esta fixação tem prazo de validade: instituições democráticas estabelecidas há exatos 30 anos pela Constituição de 1988 estão em plena derrocada, e mesmo a classe dominante parece, por vezes. jogar elas fora como a um brinquedo quebrado,e por outras, subvertê-las em marionetes de seu autoritarismo. 

A campanha de Haddad, por outro lado, termina muito bem. De maneira altiva, conseguiu envolver diferentes camadas da sociedade em torno da defesa da democracia, angariando ações espontâneas e sentimento de companheirismo. Este sujeito político-social formado não pode se diluir. É preciso que as representações populares, ainda que muito imersas nas suas políticas de Estado, despertem para este aspecto e sejam capazes de organizar este sentimento e transformá-lo em política de base, para a disputa da hegemonia. Se acreditarmos nas "ondas" de Linera, Bolsonaro também passará, assim como passou Temer, mas é preciso que chegado este momento nós sejamos a alternativa.


DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016. p.13-34, 377-402.

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