sábado, 26 de março de 2022

100 anos do comunismo no Brasil

Neste final de semana se comemora os 100 anos do comunismo no Brasil. 100 anos em que se fundou, em Niterói, o então Partido Comunista do Brasil (PCB), seção no Brasil da III Internacional. O fato é celebrado pelas mais diferentes organizações que reivindicam esse legado, mas que hoje apresentam distintas interpretações sobre o Brasil e os desafios da classe trabalhadora.

Tal fato não poderia passar desapercebido mesmo. A atuação dos comunistas é marcante na história nacional, em defesa da política exercida não apenas pelos poderosos, mas também aquela feita por trabalhadores, nos sindicatos, nas greves, seja na legalidade ou na clandestinidade - afinal, imagine fazer esse tipo de política bem aqui, no quintal dos EUA! - enfrentando dura repressão em todos esses momentos. A influência dos comunistas também pode ser encontrada no tradicional movimento estudantil brasileiro, na luta pela democracia, na literatura nacional, no teatro, na música, nos direitos assegurados na Constituição de 88 e muito mais.

O significado do que é o Brasil sempre movimentou o debate dos comunistas. As primeiras iniciativas nesse sentido podem ser encontradas nos escritos de Astrojildo Pereira, que tentava encontrar explicações para o espírito nacional nas obras de Machado de Assis, mas que logo deram lugar ao bolchevismo russo e suas etapas de pensamento. Assim, o significado de ser comunista, como aquele que luta pela superação do capitalismo também ficaria mais restrito ao alinhamento com o bolchevismo e com a União Soviética.  

De forma resumida, impôs-se o que seriam as tarefas do marxismo na periferia: superar o atraso representado pelo oligarquia latifundiária e desenvolver o país, primeiramente no desenvolvimento capitalista e depois no socialismo. Essa política significou a conhecida aliança com o trabalhismo da primeira metade do século XX, dos sindicatos ao parlamento.

A crise de tal política viria junto com a morte de Stálin. A política de Kruschov de "coexistência pacífica com a burguesia "  representaria uma cisão internacional no movimento comunista, já que muitos entendiam que se tratava de uma traição ao entendimento de que os interesses entre classe trabalhadora e burguesia são inconciliáveis.  Assim foi no Brasil, quando internamente diferentes quadros partidários achavam que era preciso uma postura mais crítica em relação aos governos trabalhistas.

As mais distintas organizações comunistas que surgiram na segunda metade do século XX tem origem nessa polêmica. Já no contexto de resistência à ditadura militar, o velho PCB se dedicava à luta pela legalidade partidária, o PCdoB à Guerrilha do Araguaia, a ALN e outras organizações à guerrilha urbana. Mas todas essas organizações tem origem no antigo Partido Comunista do Brasil. 

O antigo PCB, ele próprio, tomou um caminho de atuação institucional que o levaria à direita: mudando seu nome para PPS, passariam a aderir à agenda neoliberal nos anos 1990. O PCB que existe hoje foi uma tentativa de reorganização desse legado, e parece abrigar marxistas das mais diferentes tendências, o que lhe confere um ar eclético, porém carecendo de uma identidade partidária mais forte.

O PCdoB, que após a redemocratização se tornou a fração comunista mais influente, sentiria bastante a derrota da Guerrilha do Araguaia e também a queda da União Soviética, como todos os outros, ainda que tenha sido crítico à linha implantada a partir de Kruschov. A linha que passou a defender a partir dos anos 90 é uma revisão da política defendida por João Amazonas de defesa dos princípios do marxismo-leninismo, curiosamente liderada por ele próprio.

No Brasil de Bolsonaro, em 2022, 100 anos após a fundação do comunismo no Brasil, o que parece estar em crise é a perspectiva revolucionária.  Aquele sentido inicial da palavra comunista, de superação do capitalismo, deu lugar a outras preocupações.  A ideia de desenvolver o país deixou de ser um caminho para o socialismo e se tornou o objetivo maior, o que coincide com a perda da perspectiva de atuação internacional.

Coincide também com a derrocada do bolchevismo em escala internacional.  Tirando algumas experiências interessantes- eu destacaria o PC Português e o PC Chileno -, o bolchevismo se tornou anacrônico. É apenas uma caricatura de mal gosto: sustenta a foice e o martelo na bandeira, mas está muito distante de defender a aliança operário-camponesa como superação do capitalismo.

Em parte tudo isso é natural, poderia dizer o leitor. Estranho seria se, passados 100 anos, tudo permanecesse igual. No entanto, a crise orgânica que vive o comunismo não se deve a qualquer ortodoxia, como muitas vezes se aponta erroneamente. Mas sim ao caminho institucionalista, eleitoralista, que vem se trilhando. O comunismo deixou de ser a expressão dos interesses dos trabalhadores, ainda que isso cause náuseas naqueles mais vanguardistas, que acreditam que o PC é predestinado a essa função. 

No século XXI muitas coisas mudaram.  A própria exploração do trabalho se desenvolve em outras direções, exigindo novas reflexões.  Mas ela segue sendo o nó da constante crise social que vivemos, e são os trabalhadores aqueles capazes de percebê-lo. Longe dos trabalhadores e imerso no Estado, o comunismo se direciona aos interesses particulares e perdeu seu caráter de inimigo universal do sistema. É preciso encontrar novas soluções organizativas, talvez a crise do bolchevismo seja mesmo irremediável. Mas o comunismo deve seguir em marcha.

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