quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Pacificação pra quem?

Estreamos a coluna de Karine Belarmino com este primeiro ensaio.  Quem achava que só as barcas navegavam na Baía de Guanabara? O motim se avizinha, e não adianta chamar de vândalo!  


Por Karine Belarmino Lourenço da Silva

 As reais intenções da implantação das UPPs em diversas favelas do Rio de Janeiro não são segredos pra ninguém, principalmente para os que lá vivem. Alinhadas à política de “tolerância zero” e de “choque de ordem” nova-iorquina do então prefeito Rudi Giuliani, contratado pelo governo do estado do Rio em 2009 para reorganizar o setor de segurança pública da região, tais medidas são exemplos claros do que alguns sociólogos chamam de “criminalização da pobreza”.
Dentre estes sociólogos, há Loïc Wacquant que atenta para “a penalização da miséria”, de acordo com ele, “elaborada para administrar os efeitos das políticas neoliberais nos escalões mais baixos da estrutura social das sociedades mais avançadas” (tendo em vista o Rio de Janeiro, não só nas “sociedades mais avançadas”) e coloca em cheque o que ele chama de projeto de “aprisionamento” do Estado neoliberal. Para o autor, haveria três tipos de aprisionamento: de segurança (cujo objetivo seria impedir indivíduos perigosos de causar danos – segundo ele, o que é feito com pedófilos), de diferenciação (excluir categorias sociais indesejadas – cita os imigrantes ilegais) e de autoridade (reafirmar prerrogativas e os poderes do Estado – baderneiros, por exemplo). Segundo Wacquant, “A mão invisível do mercado de trabalho precarizado conseguiu seu complemento institucional no ‘punho de ferro’ do Estado, que tem sido empregado para controlar desordens geradas pela difusão da insegurança social.” , além disso a ênfase que o Estado dá a temas como violência urbana teria como objetivo fortalecer o novo padrão estatal de segurança (com aumento e fortalecimento do policiamento) se contrapondo a uma possibilidade de análise crítica do processo de violência e de Estado de Bem-Estar.
Quando se fala nas políticas e ideologias de “lei e ordem” dos EUA e suas medidas de “tolerância zero”,  que são chamadas em Nova York forçosamente de medidas de “qualidade de vida, esquecem-se de pensar no preço que é pago pelos habitantes menos abastados da cidade (porque eles nunca ganham nada de graça) que tiveram seus bairros invadidos por tropas policiais constantes que revistavam seus filhos, seus pais, e a eles próprios. Tendo, o que chamam de, “seus direitos individuais” (de ir e vir na hora que quiserem, por exemplo) profundamente afetados por tais medidas. Sobre isso, Wacquant diz:
“Pode-se distinguir três estágios na difusão mundial das novas ideologias e políticas de “lei e ordem” made in USA, particularmente nas chamadas medidas de “tolerância zero” – as quais, interessantemente, são chamadas, em Nova York, de medidas de “qualidade de vida”. A primeira fase é da gestação , implementação e demonstração nas cidades americanas. Especialmente Nova York, que foi elevada ao patamar de “Meca da segurança” por uma sistemática campanha publicitária. Durante esta fase, os think tanks neoconservadores, tais como o Manhattan Institute, a Heritage Foundation e o American Enterprise Institute, desempenham um papel fundamental. São eles que cunham tais noções antes de disseminá-las entre as classes dominantes americanas no decorrer de sua guerra contra o Estado de bem-estar social,(...) desde meados dos anos 1970.
O segundo estágio é o da importação-exportação, facilitado pelas ligações construídas com os seus think tanks coirmãos que se espalharam por toda a Europa na década passada, principalmente na Inglaterra. (...) Mas, se a exportação dos novos produtos americanos de “lei e ordem” tem obtido sucesso estonteante, é porque eles suprem as demandas dos Estados que os importam. Eles foram convertidos ao dogma do “livre mercado” e ao imperativo do “menos governo” – em assuntos sociais e econômicos, é claro.
O terceiro e último estágio consiste em aplicar uma cobertura de argumento científico sobre tais medidas, e então o truque está armado: medidas conservadoras são vendidas sob a aparência de ideias progressistas. Em cada país pode-se achar intelectuais que espontaneamente fazem o papel de “contrabandistas” ou “transmissores”, legitimando com sua autoridade acadêmica a adaptação das políticas e dos métodos americanos para o fortalecimento da lei e da ordem em suas próprias sociedades. (...).” 
“Semelhança pouca é bobagem” e daí eu me pergunto: é isso que queremos por aqui? Gosto de pensar que coletivamente não queremos, assim como eu não quero individualmente.
Tenho dó de quem mora nessas comunidades do Rio, pacificadas ou não. Parece a mim que estes trabalhadores trocaram um domínio truculento por outro.
Com o ocorrido no último fim de semana na Vila Cruzeiro (que ainda não recebeu UPP, mas está neste momento ocupada pelas Forças Armadas) vemos nitidamente a tensão que existe entre as duas castas de pessoas que neste momento dividem a região: os moradores e o exército. Entre elas, ou melhor, sobre elas, os jornalistas (e os intelectuais e pseudo-intelectuais que se dizem comentaristas de qualquer coisa mancomunados à grande mídia) que formam a opinião e o discurso dos que não moram e muitas vezes mesmo dos que moram em tal região de conflito. Aos moradores fica proibido (nunca oficialmente) o direito de aglomeração e fica instituído (nunca oficialmente) o estado de sítio.               
Apesar do discurso “há muito ainda o que fazer para que as UPPs sejam perfeitas, mas elas serão” que vemos, ouvimos e lemos, nas mídias globais, nos deparamos com situações em que entrevistados deixam seus entrevistadores de saia justa, como quando, ao vivo, um morador da Vila Cruzeiro foi questionado a respeito do tumulto, ao que ele respondeu que eles (moradores) nada podem fazer desde a ocupação do exército, uma vez que “nem jogar futebol a gente pode que eles (os soldados) mandam separar achando que tem traficante no meio” (RJTV, última segunda-feira). Por alguma razão, não encontrei o vídeo ao procurar na internet, talvez vocês tenham mais sorte...
O que não podemos deixar de lado é a óbvia insatisfação que vemos nas declarações dos moradores com relação à situação atual da Vila Cruzeiro.
Hoje (06/09/2011), assistindo o jornal estadual da Rede Globo, vi que os jornalistas “surpresos” noticiavam o ainda existente tráfico de drogas na Vila Cruzeiro, quando todos estão cansados de saber que as ocupações se dão, primeiramente, combatendo o tráfico de armas e a presença das mesmas em posse de civis e, secundariamente (ou nem isso), o direito das pessoas de agirem como as cidadãs que são.
Esta atitude do governo deixa claro que o objetivo principal é a limpeza da cidade para receber o mundo composto pelas classes médias e altas, que desde que se sintam minimamente seguras, são grandes consumidores potenciais e reais dos produtos entorpecentes ilícitos do país. Então, pra que acabarmos com o tráfico de drogas se é a essas classes que servimos sempre.
Afinal, o Estado é o órgão de dominação de uma classe.

*os trechos foram retirados do texto “A penalização da miséria e o avanço do neoliberalismo” de Loïc Wacquant, traduzido por Marco Aurélio Santana e presente no livro “Além da Fábrica”.

Um comentário:

  1. O projeto das UPP's é bizarro, cruel e desumano. A prioridade do Estado é apenas botar colocar uns zumbis de azul na favela, não pensam em apreender armas. A visão do Cabralzinho é a seguinte "que se dane para onde os criminosos vão com suas armas" ou seja se os criminosos vier pra baixada com suas armas tá tudo de ótimo. Assim é fácil acabar com o tráfico em ALGUNS lugares, o Estado está criando um vespeiro...

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