quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Aloísio Teixeira: Um educador em defesa das causas sociais e democráticas


             Artigo escrito pelo professor Hélio de Mattos Alves

O Brasil perdeu um dos seus maiores quadros na Educação com o falecimento do Prof. Aloísio Teixeira, no dia 23 de julho último, um ano após o fim de dois mandatos (2003/2011) como reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seus legados na área do ensino superior e nas lutas pela redemocratização do país estarão sempre presentes.
A Reitoria de Aloísio Teixeira teve uma trajetória vitoriosa com transformações e protagonismos na luta pela universalização do ensino superior. Foi um período que aliou o fortalecimento da democracia interna da universidade com uma política agressiva de ampliação e reestruturação, coincidindo com os anos do Governo Lula. Ao contrário do que havia ocorrido no passado, através de sucessivos cortes de verba da educação e intervenção de um Reitor não eleito pela comunidade por FHC.
Em 2003, boa parte dos colegiados superiores não tinha funcionamento regular. Ao tomar posse naquele ano, Aloísio assumiu o compromisso do fortalecimento do tecido institucional e nos oitos anos de mandato todos os colegiados superiores (CONSUNI, CSCE, CEG e CEPEG) tiveram suas atividades retomadas em pleno funcionamento. Sem rancor nem perseguições o tecido social da UFRJ foi sendo reconstruído.  Não deixava de ir a posse de nenhum dirigente de unidade acadêmica ou decania, dando o devido prestígio aquela unidade e dizendo para todos os presentes aquela era uma vitória da UFRJ e que a democracia da instituição era fruto de um projeto coletivo. Ele nos oito anos como Reitor jamais deixou de ouvir as vozes dissonantes. No seu primeiro mandato implantou a Reitoria itinerante, visitou com sua equipe do primeiro escalão todas as unidades da UFRJ, ouvindo seus professores, técnicos administrativos e estudantes.  Foi implantada a Plenária de Decanos e Diretores com reuniões periódicas mensais e a instituída a cultura de planejamento do orçamento, que após consolidação nas unidades e decanias era finalizada em plenária antes da aprovação final do Conselho Universitário (CONSUNI). Aloísio encontrou a Reitoria, em 2003, com um orçamento anual de R$ 35 milhões, herdado do governo FHC, destes, R$ 10 milhões, eram para pagamento da conta de energia elétrica, não previa nenhum recurso para investimentos. Em 2011, a UFRJ teve aprovado o orçamento anual de aproximadamente R$ 480 milhões, dos quais R$ 150 milhões eram para investimentos. Poucas eram as vagas alocadas, pelo Governo Federal, para concurso público de professores e técnicos administrativos; durante o Governo Lula, foram crescendo esses recursos públicos. Com o crescimento do orçamento da universidade, não bastava repassar verbas para as despesas de custeio e para a concentração em poucos projetos de pesquisa. Era preciso investir em assistência estudantil: restaurantes universitários, transporte interno e residências estudantis.  Em 2006, a Reitoria lançou o histórico Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), documento que iria dar as bases do que foi a discussão do REUNI. Ali, se estabeleceria os eixos da política educacional - o ensino interdisciplinar com a criação de novos cursos e a unificação das unidades externas na Ilha da Cidade Universitária, antiga Ilha do Fundão, - que era a utopia dessa gestão. Seria atacada a fragmentação das unidades que não respondem mais as necessidades da UFRJ: tradicionalmente funcionaram como ilhas em seus centros, em uma velha estrutura de departamentos. São entraves que a instituição necessita enfrentar para responder ao desafio da sociedade contemporânea: Um projeto de transformação, capaz de preparar a Universidade para um futuro marcado pela transdisciplinaridade e pela universalização da educação superior.
Se a Universidade Federal do Rio de Janeiro continuar formando apenas 2% dos jovens entre 18-24 anos, será sempre voltada para as elites, independentemente de quem o frequente. Para isso, necessita ter como perspectiva, dobrar ou triplicar esse percentual em um prazo de tempo relativamente curto.  Significa aumentar a oferta de vagas de graduação de seis para 12 mil por ano e chegar em 2017 a ter o universo 60 mil alunos. Será preciso também abrir novos cursos noturnos e reforçar a interiorização. O crescimento do acesso ao ensino superior não basta sem a sua democratização. Aloísio aprovou, para este ano 2012, no último dia do seu mandato, a cota social de 30% das 9.000 vagas oferecidas pela UFRJ, aliando a origem na escola pública com a renda familiar. Outra medida de grande impacto foi o acesso as vagas da universidade somente pelo ENEM-SISU.  Essa foi uma medida que terminou com o famigerado vestibular na UFRJ.
A consequência do PDI (2006)
Já em maio de 2004, a nova reitoria iniciou uma grande discussão sobre critérios para alocação de vagas docentes nas unidades e o documento “ALGUMAS DIRETRIZES PARA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO DO QUADRO DOCENTE DA UFRJ” serviu como guia de discussão nas unidades e nos colegiados superiores.  Na sua introdução Aloísio Teixeira escreveu que “A incorporação de novos docentes às Unidades da UFRJ é um evento estratégico, cujo impacto se faz sentir por longo prazo e define por décadas o perfil da Universidade. Deve ser, portanto, cuidadosamente organizado, a fim de promover o adequado desenvolvimento acadêmico do ensino, da pesquisa e da extensão. Além de atender a necessidades de caráter emergencial e de voltar-se para a reposição de perdas decorrentes de aposentadorias, exonerações e falecimentos, a política de alocação de vagas deve apoiar-se, sobretudo, em criterioso processo de avaliação de sua repercussão no futuro acadêmico-institucional da universidade.”.
Em março de 2006, Aloísio apresentou a comunidade universitária o documento “Proposta de Plano Quinquenal de Desenvolvimento para a UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO” onde eram lançadas as bases para o desenvolvimento e expansão da UFRJ, valorizando a excelência dos seus cursos de graduação e pós-graduação e sua pesquisa, mas que trazia uma forte reflexão sobre o caráter fragmentado da sua constituição com vícios que vieram desde a sua criação.  No seu prefácio Aloísio escreveu: “A elevada qualidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pela UFRJ não oculta as dificuldades e problemas que a instituição enfrenta para cumprir sua missão institucional e tornar-se uma verdadeira construtora de futuros. Alguns desses problemas decorrem de políticas governamentais equivocadas das últimas décadas, como, por exemplo, as restrições à plena aplicação do princípio da autonomia universitária; a insuficiência crônica dos recursos orçamentários; a inadequação dos mecanismos públicos de financiamento e apoio institucional à pesquisa; a desqualificação do serviço público. Outros fatores resultam de sua estrutura peculiar e de seu próprio processo de constituição. Dentre esses, pode-se destacar sua organização federativa; a compartimentalização das carreiras profissionais; o caráter instrumental e profissionalizante do ensino; a limitada variedade de carreiras oferecidas; a estruturação inadequada dos curricula; o caráter “elitista” dos mecanismos de ingresso; o isolamento entre as unidades da universidade e entre esta e as demais instituições e instâncias da sociedade, pela falta de mecanismos integradores e de instrumentos de comunicação internos e externos. Nunca antes, talvez, portanto, a UFRJ tenha estado tão urgentemente diante do imperativo de pensar, debater e decidir seu futuro, renovando-se criticamente pelo esforço comum e participativo de sua comunidade”.
 Aloísio levou e debateu esse documento em todos os órgãos superiores da universidade, visitou todas as congregações das unidades para conclamar o amplo debate sobre esse tema. Fruto desse longo debate o PDI se transformou em PRE. Com o Plano de Reestruturação e Expansão da UFRJ (PRE), somente em 2010 foram abertos mais de 500 contratações de professores e 1.500 técnicos administrativos. Nesse período a UFRJ se expandiu para Macaé, Cabo Frio, Xerém e Paraty. Depois de quase vinte anos, a UFRJ voltou a ter restaurantes universitários custeados com recursos da união. O transporte interno funciona muito bem e conta com um terminal rodoviário integrando o restante do Estado e da Cidade do Rio ao Campus. A Cidade Universitária expandiu de 35.000 pessoas diariamente, em 2003, para 75.0000 pessoas em 2010. E para terminar a gestão com chave de ouro, a Reitoria atendeu às demandas dos movimentos sociais aprovando a reserva de vagas na UFRJ. A gestão de Aloísio e Sylvia foi vitoriosa não somente do ponto de vista das melhorias que trouxe à Universidade, mas por colocar em cheque a estrutura excludente do ensino superior brasileiro. Como o próprio nome indica, a Universidade é universal e é também muito diversa como espaço livre e democrático, com áreas de saberes especializado. Um legado dessa Reitoria foi mostrar que a Universidade precisa conviver com todas as diferenças. É preciso tratar as diferenças com compreensão e não apenas com tolerância. Na sua despedida, Aloísio lembrou a importância de desenvolver mais ainda as Ciências Humanas e Sociais na Universidade.  “A universidade somente terá verdadeira excelência, e em âmbito nacional, caso as Ciências Humanas e Sociais obtenham nova centralidade no processo de reestruturação universitária”.
A trajetória do professor Aloísio Teixeira desde quando estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro teve grande influência do seu pai, o Brigadeiro Teixeira que foi um dos comandantes da Rede da Legalidade - movimento liderado por Leonel Brizola pregando a legalidade, ou seja, a posse do presidente João Goulart. O Brigadeiro Teixeira mais tarde junto com Renato Archer foi um dos articuladores da Frente Ampla que, a partir de 1966, até o AI5, procurou juntar JK, Jango e Lacerda em um movimento pela restauração das liberdades democráticas. E Aloísio Teixeira já fazendo sua militância acompanhava de perto. Foi ele que trouxe Renato Archer para o Rio de Janeiro para fazer o elo entre a direção nacional do MDB, os intelectuais e Brizola a fim de ampliar a campanha das diretas em 1984. Quando em 1985 Renato Archer assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia chamou Aloísio Teixeira para uma diretoria da FINEP e mais tarde quando foi para o Ministério da Previdência, o levou para ser o Secretário Executivo daquele Ministério. Na gestão de Renato Archer na antiga EMBRATEL Aloísio Teixeira foi também diretor.

(*) Professor da Faculdade de Farmácia e Prefeito da UFRJ no período 2004-2011 da Reitoria de Aloísio Teixeira

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