Artigo escrito pelo professor Hélio de Mattos Alves
O Brasil perdeu um dos seus maiores
quadros na Educação com o falecimento do Prof. Aloísio Teixeira, no dia 23 de
julho último, um ano após o fim de dois mandatos (2003/2011) como reitor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seus legados na área do ensino superior e nas
lutas pela redemocratização do país estarão sempre presentes.
A Reitoria de Aloísio Teixeira teve
uma trajetória vitoriosa com transformações e protagonismos na luta pela
universalização do ensino superior. Foi um período que aliou o fortalecimento
da democracia interna da universidade com uma política agressiva de ampliação e
reestruturação, coincidindo com os anos do Governo Lula. Ao contrário do que
havia ocorrido no passado, através de sucessivos cortes de verba da educação e
intervenção de um Reitor não eleito pela comunidade por FHC.
Em 2003, boa parte dos colegiados
superiores não tinha funcionamento regular. Ao tomar posse naquele ano, Aloísio
assumiu o compromisso do fortalecimento do tecido institucional e nos oitos
anos de mandato todos os colegiados superiores (CONSUNI, CSCE, CEG e CEPEG)
tiveram suas atividades retomadas em pleno funcionamento. Sem
rancor nem perseguições o tecido social da UFRJ foi sendo reconstruído. Não deixava de ir a posse de nenhum dirigente
de unidade acadêmica ou decania, dando o devido prestígio aquela unidade e
dizendo para todos os presentes aquela era uma vitória da UFRJ e que a democracia
da instituição era fruto de um projeto coletivo. Ele nos oito anos como Reitor
jamais deixou de ouvir as vozes dissonantes. No seu primeiro mandato implantou
a Reitoria itinerante, visitou com sua equipe do primeiro escalão todas as
unidades da UFRJ, ouvindo seus professores, técnicos administrativos e
estudantes. Foi implantada a Plenária de Decanos
e Diretores com reuniões periódicas mensais e a instituída a cultura de
planejamento do orçamento, que após consolidação nas unidades e decanias era
finalizada em plenária antes da aprovação final do Conselho Universitário
(CONSUNI). Aloísio encontrou a Reitoria, em 2003, com um orçamento anual de R$
35 milhões, herdado do governo FHC, destes, R$ 10 milhões, eram para pagamento
da conta de energia elétrica, não previa nenhum recurso para investimentos. Em 2011, a UFRJ teve aprovado
o orçamento anual de aproximadamente R$ 480 milhões, dos quais R$ 150 milhões eram
para investimentos. Poucas eram as vagas alocadas, pelo Governo Federal, para
concurso público de professores e técnicos administrativos; durante o Governo
Lula, foram crescendo esses recursos públicos. Com o crescimento do orçamento
da universidade, não bastava repassar verbas para as despesas de custeio e para
a concentração em poucos projetos de pesquisa. Era preciso investir em
assistência estudantil: restaurantes universitários, transporte interno e
residências estudantis. Em 2006, a Reitoria
lançou o histórico Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), documento
que iria dar as bases do que foi a discussão do REUNI. Ali, se estabeleceria os
eixos da política educacional - o ensino interdisciplinar com a criação de
novos cursos e a unificação das unidades externas na Ilha da Cidade
Universitária, antiga Ilha do Fundão, - que era a utopia dessa gestão.
Seria atacada a fragmentação das unidades que não respondem mais as
necessidades da UFRJ: tradicionalmente funcionaram como ilhas em seus centros,
em uma velha estrutura de departamentos. São entraves que a instituição
necessita enfrentar para responder ao desafio da sociedade contemporânea: Um
projeto de transformação, capaz de preparar a Universidade para um futuro
marcado pela transdisciplinaridade e pela universalização da educação superior.
Se a Universidade Federal do Rio de
Janeiro continuar formando apenas 2% dos jovens entre 18-24 anos, será sempre
voltada para as elites, independentemente de quem o frequente. Para isso,
necessita ter como perspectiva, dobrar ou triplicar esse percentual em um prazo
de tempo relativamente curto. Significa
aumentar a oferta de vagas de graduação de seis para 12 mil por ano e chegar em
2017 a ter
o universo 60 mil alunos. Será preciso também abrir novos cursos noturnos e
reforçar a interiorização. O crescimento do acesso ao ensino superior não basta
sem a sua democratização. Aloísio aprovou, para este ano 2012, no último dia do
seu mandato, a cota social de 30% das 9.000 vagas oferecidas pela UFRJ, aliando
a origem na escola pública com a renda familiar. Outra medida de grande impacto
foi o acesso as vagas da universidade somente pelo ENEM-SISU. Essa foi
uma medida que terminou com o famigerado vestibular na UFRJ.
A consequência do PDI (2006)
Já em maio de 2004, a nova reitoria
iniciou uma grande discussão sobre critérios para alocação de vagas docentes
nas unidades e o documento “ALGUMAS
DIRETRIZES PARA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO DO QUADRO DOCENTE DA
UFRJ” serviu como guia de discussão nas unidades e nos colegiados
superiores. Na sua introdução Aloísio
Teixeira escreveu que “A incorporação de novos docentes às Unidades da
UFRJ é um evento estratégico, cujo impacto se faz sentir por longo prazo e
define por décadas o perfil da Universidade. Deve ser, portanto, cuidadosamente
organizado, a fim de promover o adequado desenvolvimento acadêmico do ensino,
da pesquisa e da extensão. Além de atender a necessidades de caráter
emergencial e de voltar-se para a reposição de perdas decorrentes de
aposentadorias, exonerações e falecimentos, a política de alocação de vagas
deve apoiar-se, sobretudo, em criterioso processo de avaliação de sua
repercussão no futuro acadêmico-institucional da universidade.”.
Em março de 2006, Aloísio apresentou
a comunidade universitária o documento “Proposta de Plano Quinquenal de Desenvolvimento
para a UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO” onde eram lançadas as bases para
o desenvolvimento e expansão da UFRJ, valorizando a excelência dos seus cursos
de graduação e pós-graduação e sua pesquisa, mas que trazia uma forte reflexão
sobre o caráter fragmentado da sua constituição com vícios que vieram desde a
sua criação. No seu prefácio Aloísio
escreveu: “A elevada qualidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão
desenvolvidas pela UFRJ não oculta as dificuldades e problemas que a
instituição enfrenta para cumprir sua missão institucional e tornar-se uma verdadeira
construtora de futuros. Alguns desses problemas decorrem de políticas
governamentais equivocadas das últimas décadas, como, por exemplo, as
restrições à plena aplicação do princípio da autonomia universitária; a insuficiência
crônica dos recursos orçamentários; a inadequação dos mecanismos públicos de
financiamento e apoio institucional à pesquisa; a desqualificação do serviço
público. Outros fatores resultam de sua estrutura peculiar e de seu próprio
processo de constituição. Dentre esses, pode-se destacar sua organização
federativa; a compartimentalização das carreiras profissionais; o caráter
instrumental e profissionalizante do ensino; a limitada variedade de carreiras
oferecidas; a estruturação inadequada dos curricula; o caráter “elitista” dos
mecanismos de ingresso; o isolamento entre as unidades da universidade e entre
esta e as demais instituições e instâncias da sociedade, pela falta de
mecanismos integradores e de instrumentos de comunicação internos e externos. Nunca
antes, talvez, portanto, a UFRJ tenha estado tão urgentemente diante do imperativo
de pensar, debater e decidir seu futuro, renovando-se criticamente pelo esforço
comum e participativo de sua comunidade”.
Aloísio levou e debateu esse documento em
todos os órgãos superiores da universidade, visitou todas as congregações das
unidades para conclamar o amplo debate sobre esse tema. Fruto desse longo
debate o PDI se transformou em PRE. Com o Plano de Reestruturação e
Expansão da UFRJ (PRE), somente em 2010 foram abertos mais de 500 contratações
de professores e 1.500 técnicos administrativos. Nesse período a UFRJ se
expandiu para Macaé, Cabo Frio, Xerém e Paraty. Depois de quase vinte anos, a
UFRJ voltou a ter restaurantes universitários custeados com recursos da união.
O transporte interno funciona muito bem e conta com um terminal rodoviário
integrando o restante do Estado e da Cidade do Rio ao Campus. A Cidade
Universitária expandiu de 35.000 pessoas diariamente, em 2003, para 75.0000
pessoas em 2010. E para terminar a gestão com chave de ouro, a Reitoria atendeu
às demandas dos movimentos sociais aprovando a reserva de vagas na UFRJ. A
gestão de Aloísio e Sylvia foi vitoriosa não somente do ponto de vista das
melhorias que trouxe à Universidade, mas por colocar em cheque a estrutura
excludente do ensino superior brasileiro. Como o próprio nome indica, a
Universidade é universal e é também muito diversa como espaço livre e
democrático, com áreas de saberes especializado. Um legado dessa Reitoria foi
mostrar que a Universidade precisa conviver com todas as diferenças. É preciso
tratar as diferenças com compreensão e não apenas com tolerância. Na sua
despedida, Aloísio lembrou a importância de desenvolver mais ainda as Ciências Humanas
e Sociais na Universidade. “A
universidade somente terá verdadeira excelência, e em âmbito nacional, caso as
Ciências Humanas e Sociais obtenham nova centralidade no processo de
reestruturação universitária”.
A trajetória do professor Aloísio
Teixeira desde quando estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro teve grande
influência do seu pai, o Brigadeiro Teixeira que foi um dos comandantes da Rede
da Legalidade - movimento liderado por Leonel Brizola pregando a legalidade, ou
seja, a posse do presidente João Goulart. O Brigadeiro Teixeira mais tarde
junto com Renato Archer foi um dos articuladores da Frente Ampla que, a partir
de 1966, até o AI5, procurou juntar JK, Jango e Lacerda em um movimento pela
restauração das liberdades democráticas. E Aloísio Teixeira já fazendo sua
militância acompanhava de perto. Foi ele que trouxe Renato Archer para o Rio de
Janeiro para fazer o elo entre a direção nacional do MDB, os intelectuais e
Brizola a fim de ampliar a campanha das diretas em 1984. Quando em 1985 Renato
Archer assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia chamou Aloísio Teixeira
para uma diretoria da FINEP e mais tarde quando foi para o Ministério da
Previdência, o levou para ser o Secretário Executivo daquele Ministério. Na
gestão de Renato Archer na antiga EMBRATEL Aloísio Teixeira foi também diretor.
(*) Professor da Faculdade de
Farmácia e Prefeito da UFRJ no período 2004-2011 da Reitoria de Aloísio
Teixeira
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