Respeitáveis marujos,
Estou publicando essa entrevista a pedido do professor Helio Mattos, da UFRJ. Acredito que boa parte de vocês tenha acompanhado tudo que foi veiculado na mídia sobre suspeitas de atos ilícitos na UFRJ.
Passado algum tempo de toda essa explosão de informações, achei justo publicar um outro olhar sobre o fato. Muitas vezes não é noticiado como a comunidade universitária em grande parte steve do lado do reitor, e o próprio foi absolvido de qualquer acusação. Sendo assim, deixo-os com a entrevista, pois sabemos que na mídia não haverá espaço para explicações:
Caros
colegas, desde aquele domingo em que fomos todos surpreendidos pela matéria do
Fantástico com denúncias de desvios de dinheiro pela UFRJ, fiquei
achando que devia fazer alguma coisa. Mas tudo foi meio contornado e semi
resolvido a não ser pelo Professor Geraldo Nunes, que foi demitido. Conheço
Geraldo há muitos anos, sei da competência dele, tive vários convênios
internacionais articulados impecavelmente por ele, além de ser um parceiro antigo
do Programa que coordeno, o PACC-UFRJ, no FCC.
Assim, fiquei particularmente tocada quando soube de sua demissão. E
senti a necessidade de uma conversa para saber o que de fato tinha ocorrido e
porque só ele havia sido penalizado de forma tão pesada e radical. Como sei que
muitos de nós gostariam de entender melhor e ouvir sua versão dos fatos em viva voz, senti a necessidade de
compartilhar com todos minha conversa com Geraldo num café da zona sul da
cidade. Segue a transcrição da conversa.
Heloisa Buarque de Hollanda
Professora Emérita da UFRJ
Heloisa: Estes últimos dias têm sido de informações
cruzadas, notícias sempre incompletas, encontros com advogados, abaixo
assinados, mas nada que ponha os devidos pingos nos iis. Afinal o que foi que
aconteceu?
GERALDO
– O que aconteceu foi um processo contra a Reitoria e, no caso, também contra
mim que é sobre o que você está perguntando no momento. Os fatos alegados no
processo são relativos a serviços prestados ao Gabinete do Reitor pela empresa da qual sou
sócio. Na época precisava-se de uma série de suportes para o setor de convênio em Relações Internacionais
que coordeno, como serviços de informática para construção
de um site, serviços e material de divulgação, etc. Como se tratava de uma
situação de emergência, aquela coisa da
universidade que entrava burocraticamente no meio de urgências, me
pediram uma nota da minha empresa Turbulência para cobrir estes gastos porque
não havia outra alternativa naquele momento para pagamento desses serviços. Aí
a firma deu a nota.
H: Foi pedido exatamente o quê?
GERALDO
– Foram pedidas duas notas para efetuar o pagamento desses serviços.
H: Que serviços?
GERALDO
– Serviços de elaboração de site,
manutenção de site, traduções,
divulgação. Não me lembro de tudo detalhadamente porque isso foi do início de outubro de 2007 até março de 2008.
H: Os serviços foram feitos por
você ou por sua empresa?
GERALDO
– Não, não. Eu não sei fazer esse tipo
de serviço... Os serviços foram realizados por prestadores de serviços.
H: Então esse dinheiro foi um
dinheiro apenas repassado pela
Turbulência?
GERALDO
– Claro, foi apenas um repasse. Foi uma solução emergencial para pagar todo
mundo que tinha que ser pago. O dinheiro entrou na conta e saiu imediatamente.
Foi
o que a gente chama, numa linguagem mais jurídica, uma operação pro bono. Não ficou um tostão na empresa.
Naturalmente a empresa, como é uma empresa regular, legal, de domicílio fixo,
CNPJ fixo, pagou os impostos, naturalmente. Mas deduzidos os impostos, a empresa
não ficou com nada, é só olhar o saldo.
H: essa operação foi aprovada formalmente?
GERALDO
– Claro! Foi pedida pelo gabinete, com a anuência do Reitor e aprovada pelo
ordenador de despesa, foi cumprido todo o processo de aprovação. Tanto é que se
não fosse assim eu não podia ter feito, porque eu não sou ordenador de despesa...
H: Por que você não arranjou
outra empresa para fazer esse repasse?
GERALDO
– Porque não dava tempo. Não dava tempo, e mesmo que desse tempo, ia ser dez
vezes mais caro. As empresas cobram alto pelo repasse.
H: E isso é comum na universidade?
GERALDO
– Se isso é comum na universidade? É muito simples: se não houver isto dentro
da universidade, a universidade não funciona.
H: O que fazer para evitar esse tipo de procedimento
que acaba queimando todo mundo?
GERALDO
– Acho que, isso sinceramente, o que deveria ser feito seria profissionalizar a
universidade, nós somos amadores em todos os níveis. Se nós fossemos
profissionais, tínhamos um staff profissional de técnicos , funcionários
especializados e, quando necessário, formas mais racionais de terceirização. Basta
ver a quantidade de obras na universidade que estão hoje paradas, por quê?
H: Esses entraves são da
própria legislação?
GERALDO
– São também. No nosso caso, para
agilizar esses procedimentos necessários criamos fundações de apoio. Mas essas
fundações acabaram sendo engessadas também.
Nesse próprio episódio em questão foi isso. Os recursos do Banco do
Brasil foram repassado para a FUJB. E uma das acusações que caem em cima do
reitor, enfim dos responsáveis, dos ordenadores de despesa, é que a FUJB é uma instituição
de direito privado. E que não poderia ter repassado esse dinheiro. Ora, a FUJB existe
exatamente para isso.
H: Estou na UFRJ há mais de 50
anos e reconheço que é praticamente impossível trabalhar dentro das normas
kafkinianas que são impostas. O que aconteceu com você, poderia ter acontecido
literalmente com qualquer um de nós que desenvolvemos projeto dentro da
Universidade. Então sinto o seu caso
como um caso exemplar para se repensar as normas administrativas a que somos
sujeitos quando queremos trabalhar nem que seja minimamente...
GERALDO
Sem dúvida. Profissionalizar esse processo de internacionalização na universidade
foi um trabalho hercúleo. Criei o setor em 1994, na gestão do Paulo Gomes. Fiz
todos os convênios e projetos de relações internacionais para a UFRJ sozinho com
a ajuda de somente duas pessoas. E quando eu voltei em 2003, a convite do Aloisio,
o setor tinha crescido de duas ... para três pessoas. Estamos em 2013 e ainda
não consegui uma mesa para sentar, nem computador para trabalhar.
H: eu queria saber porque de
todos os acusados você foi o único seriamente penalizado. Entre vinte e sete
mil reais e cinquenta milhões....
GERALDO
–O problema é que os cinquenta milhões não foram considerados como desvio do
dinheiro público. A CGU viu, verificou e avaliou que o dinheiro foi
efetivamente usado dentro da universidade, que os recursos foram aplicados para
o bem da universidade,
H: Mas os seus vinte e sete mil
reais também foram aplicados na universidade.
GERALDO
– Os malditos R$ 27.100,00 fazem parte desses cinquenta milhões. Tanto é que
tem um amigo que fez a conta, é 0,054% desse valor. O problema é que a acusação
que recai sobre mim é que eles dizem que eu utilizei esse dinheiro para
beneficio próprio porque sou sócio da empresa que deu a nota. Fui acusado de
ser gerente que é quem, por lei, não poderia dar a nota, só que não sou gerente
da Turbulência. Sou sócio cotista, o que
é estar dentro da lei, não tem problema nenhum. Mas eles me acusam de ter,
primeiro, intermediado o serviço. Não fui eu que pedi para fazer isso. Foi
pedido de dentro do gabinete e aprovado pelo ordenador porque na época
justamente considerava-se que o dinheiro não era público, que não tinha que ser
vinculado à conta única, poderia passar pela FUJB, e portanto teria uma maior
flexibilidade de utilização. E isto foi a orientação que me foi dada. E eu
aceitei.
Então...
Aliás é o que diz também esse colega nosso “Pô
o sujeito que quer roubar qualquer quantia, ele não vai dar o nome da empresa
dele, o endereço da casa dele, aonde ele mora, com tudo legal, e para roubar R$
27.100,00.” Só se ele for burro, só se ele for muito burro.
H: Burro você não deixou de ser dando essa nota ...
GERALDO
– Aceitei a fazer essa intermediação por pressa. E por ingenuidade. E porque eu
queria que o trabalho fosse feito e porque a gente precisava daquilo, estávamos
num momento no qual o setor de Relações Internacionais
estava crescendo. E eu estava preparando o curso de capacitação para funcionário
de Relações Internacionais em Brasília, montando todo um esquema para responder
aos editais da CAPES e outros programas com
os quais a gente trabalha até hoje. Ganhamos oitenta e cinco bolsas benefiando
funcionários e 2008 para cá. Pela primeira vez mandamos um técnico administrativo,
para o exterior, para fazer dois meses de estágio na Universidade de Lisboa
H: E o que você acha de ser
demitido por conta disso?
GERALDO
– Bom, para mim a minha vida acaba. Me sinto no corredor da morte por enquanto,
sem saber se eu vou para um lado ou se vou para o outro. É terrível você ficar
sem chão, sem nada, porque eu perco o salário e
a aposentadoria. Eu não sou proprietário, eu pago aluguel. Se meu
salário for cortado, eu tenho que ir para a rua ou ir fazer greve de fome na
porta da Reitoria.
H: É meio kafkiano ser demitido
assim...
GERALDO
– É uma história kafkiana. Até agora não entendi. A única coisa que eu entendi
é que a demissão é por conta do fato de que, no parecer da CGU, eu sou julgado
como se eu fosse gerente da empresa, que eu não sou. Esse seria um fato que
justificaria a demissão. Mas não sou gerente. O outro é que o dinheiro foi para o meu uso
próprio, que eu me beneficiei do cargo para uso próprio. O que também não
foi. E tem a terceira, que é uma
acusação de improbidade administrativa porque, segundo o parecer, pelas minhas
atribuições no cargo, eu deveria ter feito os trabalhos que estavam me pedindo.
Estou então esclarecendo no recurso que nunca fui engenheiro de sistema, que eu
não entendo nada de internet, que eu não entendo nada de divulgação
institucional, e que mesmo que entendesse não daria tempo, porque ia ter que
parar tudo, porque éramos só quatro dentro do setor.
H: Você já foi demitido?
GERALDO
– Virtualmente sim, mas estou entrando com um recurso essa semana. É um recurso
com efeito suspensivo. É encaminhado à CGU, se ela aceitar, tudo bem, eu volto
para a folha e tal, vai ser revisto o processo e etc. Se não for aceito, eu
saio da folha imediatamente, aí eu tenho que entrar com uma liminar na justiça.
Para pedir a reintegração.
H:
o que você acha que a universidade pode fazer
por você, agora, para ajudar?
GERALDO – O que está
acontecendo comigo pode acontecer com qualquer um de nós, isso é importante
lembrar. Para me
ajudar acho que a universidade tem que primeiro, se organizar internamente para
manifestar confiança na minha idoneidade e me apoiar contra as diversas instâncias
que estão pedindo minha demissão. Os Conselhos de Centro, os decanos de centro,
o CONSUNI e a Reitoria, sobretudo a Reitoria, precisam se manifestar nesse
apoio. Porque a verdade é que é a
Reitoria que conhece o meu trabalho. Então a Reitoria, através do CONSUNI,
através dos diversos órgãos colegiados, tem que mostrar que acompanhou todo
esse processo. Seria importante que os órgãos representativos e a Reitoria se
manifestassem atestando minha idoneidade. .
http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoListaSignatarios.aspx?pi=P2013N34626. Foram 402 pessoas que assinaram até o momento o manifesto em apoio ao Prof. Geraldo Nunes
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