quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA CONVERSA COM GERALDO NUNES


Respeitáveis marujos,

Estou publicando essa entrevista a pedido do professor Helio Mattos, da UFRJ. Acredito que boa parte de vocês tenha acompanhado tudo que foi veiculado na mídia sobre suspeitas de atos ilícitos na UFRJ.
Passado algum tempo de toda essa explosão de informações, achei justo publicar um outro olhar sobre o fato. Muitas vezes não é noticiado como a comunidade universitária em grande parte steve do lado do reitor, e o próprio foi absolvido de qualquer acusação. Sendo assim, deixo-os com a entrevista, pois sabemos que na mídia não haverá espaço para explicações:


Caros colegas, desde aquele domingo em que fomos todos surpreendidos pela matéria do Fantástico com  denúncias  de desvios de dinheiro pela UFRJ, fiquei achando que devia fazer alguma coisa. Mas tudo foi meio contornado e semi resolvido a não ser pelo Professor Geraldo Nunes, que foi demitido. Conheço Geraldo há muitos anos, sei da competência dele, tive vários convênios internacionais articulados impecavelmente por ele, além de ser um parceiro antigo do Programa que coordeno, o PACC-UFRJ, no FCC.  Assim, fiquei particularmente tocada quando soube de sua demissão. E senti a necessidade de uma conversa para saber o que de fato tinha ocorrido e porque só ele havia sido penalizado de forma tão pesada e radical. Como sei que muitos de nós gostariam de entender melhor e ouvir sua versão dos fatos  em viva voz, senti a necessidade de compartilhar com todos minha conversa com Geraldo num café da zona sul da cidade. Segue a transcrição da conversa.
Heloisa Buarque de Hollanda
Professora Emérita da UFRJ

Heloisa:  Estes últimos dias têm sido de informações cruzadas, notícias sempre incompletas, encontros com advogados, abaixo assinados, mas nada que ponha os devidos pingos nos iis. Afinal o que foi que aconteceu?

GERALDO – O que aconteceu foi um processo contra a Reitoria e, no caso, também contra mim que é sobre o que você está perguntando no momento. Os fatos alegados no processo são relativos a serviços prestados  ao Gabinete do Reitor pela empresa da qual sou sócio. Na época precisava-se de uma série de suportes para o setor de convênio em Relações Internacionais que coordeno,  como serviços de informática para construção de um site, serviços e material de divulgação, etc. Como se tratava de uma situação de emergência, aquela coisa da  universidade que entrava burocraticamente no meio de urgências, me pediram uma nota da minha empresa Turbulência para cobrir estes gastos porque não havia outra alternativa naquele momento para pagamento desses serviços. Aí a  firma deu a nota.

H: Foi pedido exatamente o quê?

GERALDO – Foram pedidas duas notas para efetuar o pagamento desses serviços.

H: Que serviços?

GERALDO – Serviços de elaboração de site, manutenção de site, traduções, divulgação. Não me lembro de tudo detalhadamente porque isso foi do  início de outubro de 2007 até março de 2008.

H: Os serviços foram feitos por você ou por sua empresa?

GERALDO – Não, não. Eu não sei fazer esse  tipo de serviço... Os serviços foram realizados por prestadores de serviços.

H: Então esse dinheiro foi um dinheiro apenas  repassado pela Turbulência?

GERALDO – Claro, foi apenas um repasse. Foi uma solução emergencial para pagar todo mundo que tinha que ser pago. O dinheiro entrou na conta e saiu imediatamente.
Foi o que a gente chama, numa linguagem mais jurídica, uma operação pro bono. Não ficou um tostão na empresa. Naturalmente a empresa, como é uma empresa regular, legal, de domicílio fixo, CNPJ fixo, pagou os impostos, naturalmente. Mas deduzidos os impostos, a empresa não ficou com nada, é só olhar o saldo.

H: essa operação foi  aprovada formalmente?

GERALDO – Claro! Foi pedida pelo gabinete, com a anuência do Reitor e aprovada pelo ordenador de despesa, foi cumprido todo o processo de aprovação. Tanto é que se não fosse assim eu não podia ter feito, porque eu não sou ordenador de despesa...

H: Por que você não arranjou outra empresa para fazer esse repasse?

GERALDO – Porque não dava tempo. Não dava tempo, e mesmo que desse tempo, ia ser dez vezes mais caro. As empresas cobram alto pelo repasse.

H: E isso é comum na universidade?

GERALDO – Se isso é comum na universidade? É muito simples: se não houver isto dentro da universidade, a universidade não funciona.

H: O que  fazer para evitar esse tipo de procedimento que acaba queimando todo mundo?

GERALDO – Acho que, isso sinceramente, o que deveria ser feito seria profissionalizar a universidade, nós somos amadores em todos os níveis. Se nós fossemos profissionais, tínhamos um staff  profissional de técnicos , funcionários especializados e, quando necessário, formas mais racionais de terceirização. Basta ver a quantidade de obras na universidade que estão hoje paradas, por quê?

H: Esses entraves são da própria legislação?

GERALDO – São também.  No nosso caso, para agilizar esses procedimentos necessários criamos fundações de apoio. Mas essas fundações acabaram sendo engessadas também.  Nesse próprio episódio em questão foi isso. Os recursos do Banco do Brasil foram repassado para a FUJB. E uma das acusações que caem em cima do reitor, enfim dos responsáveis, dos ordenadores de despesa, é que a FUJB é uma instituição de direito privado. E que não poderia ter repassado esse dinheiro. Ora, a FUJB existe exatamente para isso.

H: Estou na UFRJ há mais de 50 anos e reconheço que é praticamente impossível trabalhar dentro das normas kafkinianas que são impostas. O que aconteceu com você, poderia ter acontecido literalmente com qualquer um de nós que desenvolvemos projeto dentro da Universidade.  Então sinto o seu caso como um caso exemplar para se repensar as normas administrativas a que somos sujeitos quando queremos trabalhar nem que seja minimamente...

GERALDO Sem dúvida. Profissionalizar esse processo de internacionalização na universidade foi um trabalho hercúleo. Criei o setor em 1994, na gestão do Paulo Gomes. Fiz todos os convênios e projetos de relações internacionais para a UFRJ sozinho com a ajuda de somente duas pessoas. E quando eu voltei em 2003, a convite do Aloisio, o setor tinha crescido de duas ... para três pessoas. Estamos em 2013 e ainda não consegui uma mesa para sentar, nem computador para trabalhar.

H: eu queria saber porque de todos os acusados você foi o único seriamente penalizado. Entre vinte e sete mil reais e cinquenta milhões....

GERALDO –O problema é que os cinquenta milhões não foram considerados como desvio do dinheiro público. A CGU viu, verificou e avaliou que o dinheiro foi efetivamente usado dentro da universidade, que os recursos foram aplicados para o bem da universidade,

H: Mas os seus vinte e sete mil reais também foram aplicados na universidade.

GERALDO – Os malditos R$ 27.100,00 fazem parte desses cinquenta milhões. Tanto é que tem um amigo que fez a conta, é 0,054% desse valor. O problema é que a acusação que recai sobre mim é que eles dizem que eu utilizei esse dinheiro para beneficio próprio porque sou sócio da empresa que deu a nota. Fui acusado de ser gerente que é quem, por lei, não poderia dar a nota, só que não sou gerente da Turbulência. Sou  sócio cotista, o que é estar dentro da lei, não tem problema nenhum. Mas eles me acusam de ter, primeiro, intermediado o serviço. Não fui eu que pedi para fazer isso. Foi pedido de dentro do gabinete e aprovado pelo ordenador porque na época justamente considerava-se que o dinheiro não era público, que não tinha que ser vinculado à conta única, poderia passar pela FUJB, e portanto teria uma maior flexibilidade de utilização. E isto foi a orientação que me foi dada. E eu aceitei.
Então... Aliás é o que diz também esse colega nosso “Pô o sujeito que quer roubar qualquer quantia, ele não vai dar o nome da empresa dele, o endereço da casa dele, aonde ele mora, com tudo legal, e para roubar R$ 27.100,00.” Só se ele for burro, só se ele for muito burro.  

H: Burro você  não deixou de ser dando essa nota ...

GERALDO – Aceitei a fazer essa intermediação por pressa. E por ingenuidade. E porque eu queria que o trabalho fosse feito e porque a gente precisava daquilo, estávamos num  momento no qual o setor de Relações Internacionais estava crescendo. E eu estava preparando o curso de capacitação para funcionário de Relações Internacionais em Brasília, montando todo um esquema para responder aos editais da CAPES e outros programas  com os quais a gente trabalha até hoje. Ganhamos oitenta e cinco bolsas benefiando funcionários e 2008 para cá. Pela primeira vez mandamos um técnico administrativo, para o exterior, para fazer dois meses de estágio na Universidade de Lisboa

H: E o que você acha de ser demitido por conta disso?

GERALDO – Bom, para mim a minha vida acaba. Me sinto no corredor da morte por enquanto, sem saber se eu vou para um lado ou se vou para o outro. É terrível você ficar sem chão, sem nada, porque eu perco o salário e  a aposentadoria. Eu não sou proprietário, eu pago aluguel. Se meu salário for cortado, eu tenho que ir para a rua ou ir fazer greve de fome na porta da Reitoria.

H: É meio kafkiano ser demitido assim...

GERALDO – É uma história kafkiana. Até agora não entendi. A única coisa que eu entendi é que a demissão é por conta do fato de que, no parecer da CGU, eu sou julgado como se eu fosse gerente da empresa, que eu não sou. Esse seria um fato que justificaria a demissão. Mas não sou gerente.  O outro é que o dinheiro foi para o meu uso próprio, que eu me beneficiei do cargo para uso próprio. O que também não foi.  E tem a terceira, que é uma acusação de improbidade administrativa porque, segundo o parecer, pelas minhas atribuições no cargo, eu deveria ter feito os trabalhos que estavam me pedindo. Estou então esclarecendo no recurso que nunca fui engenheiro de sistema, que eu não entendo nada de internet, que eu não entendo nada de divulgação institucional, e que mesmo que entendesse não daria tempo, porque ia ter que parar tudo, porque éramos só quatro dentro do setor.

H: Você já foi demitido?

GERALDO – Virtualmente sim, mas estou entrando com um recurso essa semana. É um recurso com efeito suspensivo. É encaminhado à CGU, se ela aceitar, tudo bem, eu volto para a folha e tal, vai ser revisto o processo e etc. Se não for aceito, eu saio da folha imediatamente, aí eu tenho que entrar com uma liminar na justiça. Para pedir a reintegração.

H:  o que você acha que a universidade pode fazer por você, agora, para ajudar?

GERALDO – O que está acontecendo comigo pode acontecer com qualquer um de nós, isso é importante lembrar. Para me ajudar acho que a universidade tem que primeiro, se organizar internamente para manifestar confiança na minha idoneidade e me apoiar contra as diversas instâncias que estão pedindo minha demissão. Os Conselhos de Centro, os decanos de centro, o CONSUNI e a Reitoria, sobretudo a Reitoria, precisam se manifestar nesse apoio.  Porque a verdade é que é a Reitoria que conhece o meu trabalho. Então a Reitoria, através do CONSUNI, através dos diversos órgãos colegiados, tem que mostrar que acompanhou todo esse processo. Seria importante que os órgãos representativos e a Reitoria se manifestassem atestando minha idoneidade. .

Um comentário:

  1. http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoListaSignatarios.aspx?pi=P2013N34626. Foram 402 pessoas que assinaram até o momento o manifesto em apoio ao Prof. Geraldo Nunes

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