terça-feira, 4 de abril de 2017

Pirataria na Baía de Guanabara

Há anos atrás, em texto intitulado "A Ilha dos Oráculos", o nosso pirata velhaco se vangloriava de como deixou certo francês para trás em sua ininterrupta fuga da Coroa inglesa, quando veio parar em terras cariocas. Em seu relato, cheio de maestria na pilantragem que lhe é intrínseca, Long John Silver parecia omitir alguma passagem menos gloriosa de sua estadia em nossa pátria. Durante anos insisti neste ponto com ele, e finalmente após cervejas e runs, ele resolve me contar o que realmente estava em jogo, neste e-mail que segue:

"Caro Marujo das letras,

Como há anos vem me pedindo, feito um bezerro desmamado, resolvo finalmente lhe entregar as notas obscuras sobre esta minha passagem na sua tão amada Baía de Guanabara. Esta parte não se deu na Ilha dos Oráculos, onde participamos daquela festa da carne e onde driblamos o navio daquele pomposo maricas que se dá o nome de rei. Aconteceu antes, do outro lado da poça, como vocês marujos da vida moderna gostam de chamar.
Naquele momento, após cansativa fuga do navio do rei moleque, fome e nenhuma perspectiva, os lobos do mar sempre encontram no capitão o culpado. E assim tramavam o motim. Não eram bons momentos, caro Allysson. Após tanto esforço de minha parte em trazer alguma glória para esta barca velha, e tê-lo feito com êxito, ver meus comandados se voltarem contra mim. Mas você, bebê mimado que é, não poderia aguentar a curiosidade, então lhe conto.
Em verdade, já me haviam entregado o Sinal Preto, a deposição era certa. Mas estávamos lá para conseguir os votos, ainda que eu, cansado de lutar, tivesse menos esperança que um leal companheiro, que se revelou como tal há pouco tempo, e eu só pude ter certeza desta lealdade bem depois. Meticuloso e de pouca fala, como um bom marujo deve ser, Jeff Barba-Rala, filho do temível Ali, raposa dos sete mares, lançava seu veneno para mudar a votação.
À noite fomos beber um bom rum na praça da Cantareira, quando ela apareceu. Não era surpresa encontrá-la naquelas águas, mas apesar de linda como sempre, estava com os amotinados. Neste momento aparece também Phill-Duck, marujo bem viajado, de fala rápida. Estava a bordo do Hispaniola há pouco tempo, após ter trocado facas com o antigo capitão. Foi na nossa frente e depois não pudemos encontrá-lo.
Não bastasse o terrível momento, com o sinal preto nas mãos, não havia onde dormir, e o rum esgotado, um jovem aventureiro se lançou contra nós. Por mim, teria entregado a urna com o pouco que nos restava, a vida não valia tanto sem o Hispaniola. Mas Jeff não parecia querer se entregar e cruzou espadas com o jovem, que percebendo o perigo, correu para destino mais promissor. Terminamos numa destas estalagens para casais que vocês têm por aí. Preferia ter ido com a moça da praça, afinal você me perdoe, caro marujo, mas espadas são apenas para a luta, você há de convir. Mas Jeff não parecia ser do tipo que se revela na calada da noite. A pistola estava a mãos, caso contrário.
A votação terminou e tivemos sucesso, mas como você bem sabe, abandonei o Hispaniola por um bom tempo. Nunca pensei apreciar tanto a calmaria. Mas você bem sabe, um navio sempre reencontra os bons ventos, e um capitão não aguenta muito tempo a terra firme. Não há tantas aventuras por aqui.

Até o próximo rum!

Long John Silver"

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