quinta-feira, 7 de março de 2019

Vamos falar de Lênin!

Imagino a triste condição sua, leitor, que em plena quinta-feira pós-carnaval esperava uma crônica repleta de fantasias, aventuras vividas, e se depara com Lênin! Por quê? "Em pleno 2019, passados mais de 100 anos da tão alvejada Revolução Russa!" É verdade, amigo, quem sabe a dolorosa distância do velho pirata Long John Silver tenha feito deste blog mais sereno, frio e sem graça. Mas, se a informação lhe acalmar, foi numa conversa com importante personagem deste carnaval que veio a inspiração do texto.

Partindo direto ao ponto, diz respeito a um lamento pessoal, pelo fato do clássico "O Estado e a Revolução" estar tão oportunamente esquecido pela militância de esquerda no Brasil. Como assim? Como pode ser oportuno esquecer do livro em que Lênin melhor define sua visão sobre a política, e sobre a necessidade de tomada do poder político para se conquistar a nova sociedade? Aí é que está! Vejamos alguns pontos do debate para então partir aos fatos.

Vale dizer que o livro mencionado foi escrito no período posterior à tomada do poder, e portanto se tratou de um balanço de como se alcançou isto, bem como uma discussão dos rumos para o futuro da União Soviética. O autor trata prioritariamente da revolução como um processo, e não um episódio sangrento. O movimento revolucionário deve unir forças, junto ao proletariado e seus aliados, para destruir o Estado burguês e construir o Estado socialista. A noção de destruição é aqui muito importante, já que não se trata de pactuar com a burguesia, vencê-la em eleições mas mantendo o regime de exploração, não! Destruir, pois o Estado capitalista tem um caráter de classe, serve para a proteção da propriedade privada, concentração da riqueza e exploração do trabalho humano. O Estado socialista, por sua vez, teria o caráter inverso: o de acabar progressivamente com a exploração e a concentração da riqueza, e, à medida que os trabalhadores forem criando suas formas autônomas de representação, este Estado irá definhar até se tornar desnecessário, alcançando portanto o comunismo.

Evidentemente, isto não aconteceu nem mesmo na União Soviética, que ao contrário, expandiu o Estado enormemente e, inclusive, suprimiu as formas de representação autônomas. Há de se perdoar Lênin, que não viveu suficientemente para ver este processo se realizar. No entanto, o que me chama mais atenção neste livro não é a solução proposta, como uma receita a ser seguida, mas a identificação de que o Estado capitalista tem um caráter de classe! Apesar de passado tanto tempo esta constatação parecer óbvia, ou seja, o regime da propriedade privada é sacralizado pela Constituição de 1988 e o mercado financeiro é o déspota da política brasileira, a prática política da esquerda não aponta para este entendimento. Se até os anos 1990 discutíamos um "horizonte de direitos" a serem conquistados, uma pequena inserção popular no Estado nos anos do lulismo redirecionou a agenda política para disputa de financiamento entre os movimentos sociais. É o que André Singer qualifica como o aspecto despolitizante do lulismo (SINGER, 2016).

O que quero dizer com prática política? Qualquer ação contestatória é revestida de valores, e tem um fim mais ou menos claro. Identificar que há um inimigo comum para a construção da sociedade que se deseja, e direcionar a ação contestatória para enfrentá-lo, é o que Marx definiria como a práxis revolucionária. O que vemos hoje e que precisa avançar é a disputa por participação no Estado, sem que se questione o seu caráter, e por vezes aceitando conscientemente a convivência com os mecanismos da exploração do trabalho e da ordem hegemônica.

Contra este argumento, falarão em ortodoxia, que o nosso Estado de tipo ocidental é diferente do Estado czarista enfrentado por Lênin, e principalmente, que com esta pequena participação no Estado se pôde fazer coisas grandiosas para o povo brasileiro. Estarão corretos a respeito de tudo isso. No entanto, a presente fragmentação da luta política também é efeito da ausência de uma perspectiva revolucionária na atuação política. Como diria o comunista italiano Amadeo Bordiga, os revolucionários devem tratar das questões imediatas sim, mas apenas com a consciência de que estas devem ser o alimento da luta, que é pela superação da sociedade capitalista.

GRAMSCI, Antonio; BORDIGA, Amadeo. Debate sobre los consejos de fábrica. Editorial ANAGRAMA..
LENIN, Vladmir Ilich. O Estado e a Revolução. Expressão Popular: São Paulo, 2010.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SINGER, André; LOUREIRO, Isabel. As Contradições do lulismo: A que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo, 2016.

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