sexta-feira, 19 de julho de 2019

A atualidade de "O Estado e a Revolução", de Lênin


Decido escrever sobre este tema haja vista uma certa confusão feita por muitos a respeito do tema do “poder político” em Lênin. Para muitos, a recente centralização de energias da esquerda na disputa do Estado se refere a um legado leninista em que a “tomada do poder político é central”. Se bem é verdade que Lênin considera assim o desafio dos revolucionários, para ele o sentido de “poder político” é bem mais amplo do que como é trabalhado pelos seus supostos defensores no século XXI.

A obra, escrita em 1917, trata dos dilemas da construção do socialismo na Rússia revolucionária. Nele, Lênin argumenta pela necessidade da derrubada do Estado burguês para a construção da nova sociedade. Este é o verdadeiro sentido que busca dar a ideia de “tomada do poder político”, ou seja, os operários organizados em um partido revolucionário, devem derrubar a burguesia para tomar o poder, e assim implementar as transformações devidas no terreno da economia; revolucionando os meios de produção, transitando do capitalismo ao socialismo. Trata-se de uma sistematização importante de um raciocínio já presente em Marx, mas não desenvolvido de forma tão expressa.

Este é, seguramente, um dos legados mais importantes do revolucionário russo, acompanhado da teoria de partido e da interpretação dqa fase imperialista do capitalismo. Segundo Gruppi (1980), foi escrito no contexto de sua polêmica com Karl Kautsky, que fora no passado importante interlocutor de Marx e Engels, mas que no contexto da I Guerra Mundial se afastou progressivamente do marxismo. Um dos temas em que se chocavam as visões de Lênin e Kautsky sobre a luta política era precisamente a forma com a qual se relacionar com o Estado burguês. Para Kautsky, que vivia na Alemanha um contexto de legalidade dos sindicatos, agremiações populares e partidos políticos, a disputa do parlamento se colocava como questão central, e a construção de uma maioria neste espaço político seria a tática para alcançar o socialismo. Gruppi atribui isto a uma influência positivista no pensamento de Kautsky, na qual o socialismo seria uma evolução social, e portanto, uma transição pacífica para este modo de produção seria possível, sem rupturas.

É verdade, que por outro lado, na Rússia czarista tal inserção no Estado não era possível, e isto condicionou o pensamento de Lênin. No entanto, defendo aqui, que o autor não negava a participação no Estado burguês, que caso fosse possível, deveria servir à propaganda das ideias revolucionárias, mas acima disto era preciso ter consci|ência do caráter de classe deste Estado, ou seja, no modo de produção capitalista o Estado está a serviço do poder da burguesia, o que significa também que ele legitima a dominação burguesa sobre a classe operária. Para ele, todo Estado é um instrumento de dominação, e é precisamente por isso que os operários devem formar seu próprio Estado, que revolucione os meios de produção e que venha a extinguir as classes sociais.

No que pese o desenvolvimento posterior que o marxismo deu à teoria do Estado, e tenha ampliado o leque de possibilidades da relação dos revolucionários com ele para além da propaganda, se tomamos como central a ideia de que o Estado tem um caráter burguês, as vias eleitorais não podem ser suficientes para a edificação do socialismo, prescindindo da organização popular.

No que tange ao momento da política nacional que vivemos, o Estado brasileiro vem desarticulando as instituições que ele próprio fortaleceu historicamente.A incapacidade de vitória pelas vias eleitorais tradicionais nas disputas presidenciais apontam para a possibilidade de uma crise de direção política da burguesia, que então optou por fragilizar instituições em detrimento de outras. Promoveu-se grande desmoralização do Congresso Nacional, produzindo consensos via imprensa e Judiciário. O regime político democrático-burguês enfrenta grande desmoralização e crise de representação, dando lugar a soluções bonapartistas, com o golpe em 2016 e a aposta em um discurso moralista e reacionário na figura de Bolsonaro, seu líder carismático.

Colocadas estas questões, maior ainda é a crise da esquerda brasileira, que mal consegue organizar a resistência popular a este processo. Resistência esta que existe, mas se dá de maneira fragmentada, sem um projeto político que lhe dê sentido. Diante deste quadro, a esquerda oficial se volta ainda mais para a disputa do Congresso Nacional, afastada do povo e, justamente por isso, guiada por táticas oportunistas de disputa de espaço. Renovar a atuação política e redescobrir o sentido de comunidade, aproximando-se das lutas populares continua sendo o caminho mais recomendável, para a partir da organização popular construir um projeto de poder.


GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: As concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. L &PM Editora ltda: Porto Alegre, 1980.

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