Decido
escrever sobre este tema haja vista uma certa confusão feita por
muitos a respeito do tema do “poder político” em Lênin. Para
muitos, a recente centralização de energias da esquerda na disputa
do Estado se refere a um legado leninista em que a “tomada do poder
político é central”. Se bem é verdade que Lênin considera assim
o desafio dos revolucionários, para ele o sentido de “poder
político” é bem mais amplo do que como é trabalhado pelos seus
supostos defensores no século XXI.
A
obra, escrita em 1917, trata dos dilemas da construção do
socialismo na Rússia revolucionária. Nele, Lênin argumenta pela
necessidade da derrubada do Estado burguês para a construção da
nova sociedade. Este é o verdadeiro sentido que busca dar a ideia de
“tomada do poder político”, ou seja, os operários organizados
em um partido revolucionário, devem derrubar a burguesia para tomar
o poder, e assim implementar as transformações devidas no terreno
da economia; revolucionando os meios de produção, transitando do
capitalismo ao socialismo. Trata-se de uma sistematização
importante de um raciocínio já presente em Marx, mas não
desenvolvido de forma tão expressa.
Este
é, seguramente, um dos legados mais importantes do revolucionário
russo, acompanhado da teoria de partido e da interpretação dqa fase
imperialista do capitalismo. Segundo Gruppi (1980), foi escrito no
contexto de sua polêmica com Karl Kautsky, que fora no passado
importante interlocutor de Marx e Engels, mas que no contexto da I
Guerra Mundial se afastou progressivamente do marxismo. Um dos temas
em que se chocavam as visões de Lênin e Kautsky sobre a luta
política era precisamente a forma com a qual se relacionar com o
Estado burguês. Para Kautsky, que vivia na Alemanha um contexto de
legalidade dos sindicatos, agremiações populares e partidos
políticos, a disputa do parlamento se colocava como questão
central, e a construção de uma maioria neste espaço político
seria a tática para alcançar o socialismo. Gruppi atribui isto a
uma influência positivista no pensamento de Kautsky, na qual o
socialismo seria uma evolução social, e portanto, uma transição
pacífica para este modo de produção seria possível, sem rupturas.
É
verdade, que por outro lado, na Rússia czarista tal inserção no
Estado não era possível, e isto condicionou o pensamento de Lênin.
No entanto, defendo aqui, que o autor não negava a participação no
Estado burguês, que caso fosse possível, deveria servir à
propaganda das ideias revolucionárias, mas acima disto era preciso
ter consci|ência do caráter de classe deste Estado, ou seja, no
modo de produção capitalista o Estado está a serviço do poder da
burguesia, o que significa também que ele legitima a dominação
burguesa sobre a classe operária. Para ele, todo Estado é um
instrumento de dominação, e é precisamente por isso que os
operários devem formar seu próprio Estado, que revolucione os meios
de produção e que venha a extinguir as classes sociais.
No
que pese o desenvolvimento posterior que o marxismo deu à teoria do
Estado, e tenha ampliado o leque de possibilidades da relação dos
revolucionários com ele para além da propaganda, se tomamos como
central a ideia de que o Estado tem um caráter burguês, as vias
eleitorais não podem ser suficientes para a edificação do
socialismo, prescindindo da organização popular.
No
que tange ao momento da política nacional que vivemos, o Estado
brasileiro vem desarticulando as instituições que ele próprio
fortaleceu historicamente.A incapacidade de vitória pelas vias
eleitorais tradicionais nas disputas presidenciais apontam para a
possibilidade de uma crise de direção política da burguesia, que
então optou por fragilizar instituições em detrimento de outras.
Promoveu-se grande desmoralização do Congresso Nacional, produzindo
consensos via imprensa e Judiciário. O regime político
democrático-burguês enfrenta grande desmoralização e crise de
representação, dando lugar a soluções bonapartistas, com o golpe
em 2016 e a aposta em um discurso moralista e reacionário na figura
de Bolsonaro, seu líder carismático.
Colocadas
estas questões, maior ainda é a crise da esquerda brasileira, que
mal consegue organizar a resistência popular a este processo.
Resistência esta que existe, mas se dá de maneira fragmentada, sem
um projeto político que lhe dê sentido. Diante deste quadro, a
esquerda oficial se volta ainda mais para a disputa do Congresso
Nacional, afastada do povo e, justamente por isso, guiada por táticas
oportunistas de disputa de espaço. Renovar a atuação política e
redescobrir o sentido de comunidade, aproximando-se das lutas
populares continua sendo o caminho mais recomendável, para a partir
da organização popular construir um projeto de poder.
GRUPPI,
Luciano. Tudo começou com Maquiavel: As concepções de Estado em
Marx, Engels, Lênin e Gramsci. L &PM Editora ltda: Porto Alegre,
1980.
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