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sábado, 17 de setembro de 2011

Em busca de uma Turquia asiática

Por Suellen Lannes

A Turquia sempre tentou angariar espaço no mundo asiático e no Oriente Médio, mas se deparava com alguns problemas. O primeiro era a atuação hegemônica que a União Soviética detinha e o cenário de bipolaridade que fazia com que a escolha por um dos lados fosse decisiva. As pretensões ocidentais turcas falaram mais alto e a entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) consolidou a visão da Turquia como um obstáculo ao avanço soviético. Além disso, essa adesão expôs uma questão delicada, Israel.
             A disputa entre israelenses e palestinos sempre foi uma causa de tensão na região e uma definição de “amigos” e “inimigos”. Pela grande aproximação com a Europa e a participação na OTAN a Turquia apresentava uma postura de “boas relações” com Israel, tendo reconhecido o Estado, em 1949, e estabelecido acordos militares, em 1996. Essa relação fez com que os demais países árabes e/ou muçulmanos olhassem com certa desconfiança para a Turquia. Para contornar esse problema, o país do crescente sempre procurou atuar de forma neutra e estabelecer laços comerciais fortes com os países da região. O caso mais emblemático disso é a sua relação com o Irã.
            Desde a revolução iraniana em 1959, a Turquia vem mantendo fortes laços comerciais com o Irã, principalmente por causa do petróleo, cuja importância já foi reconhecida pelo aiatolá Khomeini. Ao mesmo tempo, durante as divergências com os Estados Unidos e na guerra entre Irã-Iraque, a Turquia apresentou uma postura de neutralidade procurando estabelecer posições de diálogos entre as partes envolvidas. Esse comportamento explica parte a atuação do país na elaboração de um acordo com o Brasil e o Irã sobre enriquecimento de urânio.
            Assim, “com um olho na missa e outro no padre” a Turquia estabeleceu um caminho geopolítico procurando se favorecer da sua posição geográfica simbolizada pelo estreito do Bósforo, importante via de navegação, e por ser a ponte entre Europa e Ásia. Através da sua “sorte” atuou estreitando os laços com as grandes potências hegemônicas e ao mesmo tempo, não se esquecendo dessa mesma localização procurou, por meio de sua virtù, atuar como mediadora dos conflitos que envolvem os seus vizinhos, se tornando uma importante parceira comercial e um ator político relevante. Mas desde o fim da Guerra Fria essa postura vem passando por sensíveis mudanças.

domingo, 11 de setembro de 2011

11 de Setembro de 2011




Enquanto boa parte dos governantes do mundo sinalizam sua solidariedade aos mortos do atentado de 11 Setembro, que hoje faz dez anos de seu acontecimento, muitas sites hoje dão destaque à atual situação política do Egito após o ataque à embaixada israelense na sexta-feira última. No entanto, curiosamente, nenhuma relação foi feita entre os dois acontecimentos.
Por Allysson Lemos

O ataque de 11 de Setembro foi um marco de um antigo conflito presente no Oriente Médio, e a "Guerra ao Terror" a potencialização da política belicista estadunidense, que já existia. O Governo Bush foi protagonista de uma política de fetichização do mundo árabe, a fim de desvirtuar dos olhos da opinião pública o real problema político daquela região. Assim, estes árabes seriam "loucos", homens de hábitos estranhos, exóticos, cuja religião prega a violência e a guerra, resumidamente, o "Eixo do Mau".
Sem entrar no mérito da sanidade do homem muçulmano, pois este argumento evidentemente responde à necessidade da construção de alteridade, de que aos olhos do homem ocidental pareçam inferiores, primitivos e odiosos para que isto sirva de base ideológica para a política imperialista, buscarei mostrar os reais conflitos que ditam a política no Oriente Médio. As diversas nações da região dividem-se pela polêmica da criação do Estado Palestino, que por sinal finalmente está para ser votado na ONU. Neste caso está em jogo a disputa por territórios, e o principal opositor a esta reivindicação, Israel, é um aliado histórico dos Estados Unidos da América. Pressionando o povo palestino em suas fronteiras e ocupando boa parte do que seria território palestino determinado em acordo internacional, Israel mobiliza alguns países árabes a seu favor, garantindo sua hegemonia política e econômica na região, sabendo que o Oriente Médio é rico em petróleo.
Os EUA têm participação direta nesta dominação. Financiando aliados e mobilizando o mundo a favor de Israel, me parece que os americanos colheram o que semearam em 11 de Setembro de 2001, apesar da devida solidariedade que deve ser prestada às vítimas do atentado, e não ao governo norte-americano.
Uma boa ilustração disto é o que acontece no Egito nesta semana e nos últimos meses. O antigo regime de Mubarak era um apoiador da política belicista de Israel. Apesar de os EUA e as forças armadas egípcias se colocarem como defensores da transição democrática na crise política que se instaurou no país com o maior levante popular dos últimos tempos no início deste ano, algumas fontes já denunciavam a relação de ambos com o governo anterior e suas posições na disputa política do Oriente Médio. Eduardo Sales de Lima, em artigo publicado no site "Brasil de Fato" em 02/03/2011, dizia : "Por acordo com Israel, militares egípcios recebem anualmente cerca de 1,3 bilhões de dólares".
Revoltados com esta situação no Egito, manifestantes atacaram a embaixada de Israel na última sexta-feira, levando o embaixador israelense a abandonar o país. Em resposta a isso, um ultimato do governo americano, antes defensor do povo egípcio, ao Egito : "Os Estados Unidos advertiram à junta militar egípcia da necessidade de atuar com rapidez para evitar um linchamento de israelenses na embaixada, que teria 'muitos graves consequências' para Cairo", noticou o site Terra Brasil hoje.
Assim é o 11 de Setembro de 2011. Segue a "Guerra ao Terror" e a resistência. Porém o mundo vai despertando para a falácia imperialista estadunidense e uma primeira derrota parece se anunciar nesta votação do Estado Palestino na ONU.

sábado, 10 de setembro de 2011

Em busca de uma Turkey

Estreamos hoje a coluna semanal de Suellen Lannes. Primeira das novidades do Sinal Preto em sua volta. Suellen é autoridade tratando-se do Mar Mediterrâneo e as terras por ele banhadas. Hoje os conquistadores de Constantinopla estão na outra extremidade da luneta.

Por Suellen Lannes:

Localizada estrategicamente, entre o continente europeu e o asiático, a Turquia conquistou vantagens consideráveis por sua posição geográfica, assim como problemas. E desde a dissolução do Império Otomano, após a Primeira Grande Guerra, os governantes turcos vêm construindo a sua geopolítica tentando conciliar o seu projeto de se tornar europeu com o reconhecimento de ser um Estado asiático.
            A própria construção do Estado turco pós-Império demonstrou essa tendência. Podemos resumir essa construção em duas premissas básicas: (1) a construção de um ideal de nação centrado na etnia turca e no laicismo estatal, o que foi reproduzido pela (2) adoção de um projeto de Estado pautado pela “modernização”, o qual idealizado por Kemal Atatürk (1923-1938).  Essas ações tinham como objetivo acabar com a herança do Império Otomano, considerado o “homem doente da Europa”*. Para tanto, foram realizadas obras de infraestrutura por meio de construção de estradas e ferrovias, adoção do saneamento básico, assim como mudanças nas instituições turcas, fortemente influenciadas pelo modelo inglês parlamentarista. Tudo isso influenciado pela presença britânica em território turco, existente desde o Império.
            Essas mudanças internas moldarão o caminho geopolítico traçado pela Turquia ao longo do século XX. Seus governantes centralizarão a sua política externa numa constante aproximação com a Europa, procurando apresentar o país como moderno, pertencente ao velho continente e de importância crucial para a geopolítica europeia. Além disso, de forma mais discreta, a política externa turca atuava procurando angariando espaços na Ásia, se esbarrando com a hegemonia da União Soviética. Essa situação se acentuou ainda mais quando, em 1952, ela entrou na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e passou a representar um freio para a expansão soviética. Com essa decisão, a Turquia afirmou a sua posição de um país ocidental, o que é corroborado pelo seu pedido para se tornar membro associado da Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1959. Essa pretensão continuou ao longo dos anos, mesmo com a mudança da Comunidade para União Europeia e representou o primeiro passo adotado pela Turquia com o objetivo de deixar de ser uma simples aliada, para ser considerada de fato, “europeia”.
            Essa geopolítica foi fortemente apoiada e patrocinada pelos Estados Unidos, mas se deparou com insucessos e com mudanças no sistema interestatal capitalista. Assim, com o fim da União Soviética e a abertura de um vácuo de poder na região da Ásia e do Oriente Médio, as seguidas recusas da União Europeia em aceitá-la como membro efetivo e mudanças na política interna turca, os objetivos geopolíticos turcos passam por um processo de reformulação.



*Expressão do Czar Nicolau I da Rússia.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

PORTAL VERMELHO: Israel assassina 12 pessoas nos 65 anos da catástrofe palestina.

O presidente da Autoridade Nacional da Palestina, Mahmud Abbas, declarou nesta segunda-feira (16) três dias de luto pela morte de pelo menos 12 manifestantes que marchavam em direção às fronteiras de Israel desde a Faixa de Gaza, Síria e Líbano. “O sangue derramado pela liberdade dos palestinos não será em vão, porque foi derramado pela liberdade e os direitos de seu povo”, afirmou Abbas, condenando a violência e a repressão das manifestações de palestinos no último domingo (15).

Centenas de palestinos marcham em Ramallah para rememorar o Dia da Nakba (Catátrofe), no qual lembram o exílio e a perda de territórios palestinos com a criação, em 1948, do Estado de Israel. Com bandeiras e cartazes, a população se reuniu ao lado do túmulo de Yasser Arafat, na Muqata de Ramallah, para marchar dali até a praça de Al Manara, onde foram realizados discursos e diferentes atos para marcar o 65ª aniversário da Nakba.

Nesta segunda-feira, os tumultos se espalharam para o Egito, onde a polícia antidistúrbios lançou gás lacrimogêneo e munição real para dispersar milhares de manifestantes pró-palestinos do lado de fora da Embaixada de Israel no Cairo.

Os manifestantes reivindicavam o direito de retorno dos milhões de refugiados palestinos a seus lugares de origem, reconhecido pelo direito internacional. Ao meio-dia de ontem, palestinos em várias cidades da Cisjordânia fizeram 65 segundos de silêncio para lembrar a catástrofe que representou a criação do Estado sionista.

Enquanto isso, outra centena de palestinos protestou, atirando pedras no posto de controle israelense de Qalandia. Segundo o serviço de notícias israelense Ynet, não houve registro de feridos.

Os ataques de Israel deixaram pelo menos 12 mortos e uma centena de feridos. Tropas israelenses dispararam contra manifestantes em três locais distintos, no confronto mais mortífero em anos. Em relação às vítimas, o presidente da ANP afirmou que “a vontade do povo é mais forte que o poder das forças opressivas”.

As manifestações ocorrem todos os anos. Tambores, canções patrióticas árabes e palestinas e um desfile de escoteiros uniformizados enfeitavam as ruas, nas quais desfilaram funcionários palestinos, estudantes e moradores nos campos de refugiados dos arredores da capital administrativa da Cisjordânia e sede do governo da ANP.

Repressão de Israel

As forças israelenses abriram fogo em três regiões diferentes – nas fronteiras de Israel com a Síria, o Líbano e a Faixa de Gaza. Fontes da segurança libanesa disseram que mais de 100 pessoas ficaram feridas durante o incidente na cidade fronteiriça de Maroun al-Ras.

No centro comercial de Israel, um caminhão conduzido por um israelense árabe foi jogado contra veículos e pedestres, matando um homem e ferindo 17 pessoas. Testemunhas disseram que o motorista, que foi preso, se descontrolou com o caminhão no meio do trânsito do centro da cidade.

Em Jerusalém, um adolescente palestino foi morto a tiros durante protestos na última sexta-feira. A polícia disse que não ficou claro quem o baleou e que está investigando. O incidente ocorreu no bairro de Silwan, em Jerusalém oriental, onde ocorrem incidentes violentos com frequência. Os palestinos reivindicam Jerusalém oriental como capital do Estado que pretendem criar na Cisjordânia e Faixa de Gaza.

Na fronteira sul de Israel com a Faixa de Gaza, segundo paramédicos, disparos israelenses feriram 60 palestinos quando manifestantes se aproximaram da barreira entre Israel e o enclave comandado pelo Hamas.

Nas Colinas de Golã, ocupadas por Israel desde 1967, muitos palestinos e simpatizantes que vivem no país passaram a fronteira com a Síria para protestar. Como resposta, as forças de segurança israelenses, reforçadas no domingo, atiraram nos manifestantes deixando mais mortos e feridos.

Faixa de Gaza

Pelo menos 15 palestinos foram feridos por disparos das Forças Armadas israelenses no norte da Faixa de Gaza quando milhares faziam uma manifestação. As vítimas são, em sua maioria, menores de idade, feridos por estilhaços dos disparos de tanques israelenses contra a cidade palestina de Beit Lahiya. As informações são do porta-voz dos serviços de emergência em Gaza, Adham Abu Selmeya.

O protesto envolveu milhares de pessoas, que fizeram uma passeata no norte da Faixa de Gaza, rumo à divisa do território com Israel. Segundo elas, os tanques israelenses estacionados na área dispararam pelo menos quatro projéteis contra o local da manifestação.

Hamas-Fatah
Em um comício realizado na cidade de Gaza, que contou com a presença de aproximadamente 10 mil pessoas, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, disse que os palestinos têm direito a resistir à ocupação israelense e recuperar as propriedades perdidas em 1948, informou o serviço de notícias israelense Ynet.

Este é o primeiro ano desde 2007 em que os dois grupos palestinos se unem na Faixa de Gaza para organizar atos conjuntos em memória da Nakba, o que foi possibilitado após a assinatura do acordo de reconciliação palestina, realizado no início deste mês no Cairo.

O Hamas, em cooperação com o Fatah, organizou os dois atos principais. O primeiro foi realizado no norte da Faixa de Gaza e o segundo, em Rafah, na fronteira com o Egito. Além das manifestações em Israel e nos territórios palestinos espera-se também a realização de grandes atos no Egito, Jordânia e Líbano, onde moram centenas de milhares de palestinos.

O porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, qualificou os ataques como um “ponto de virada no conflito entre palestinos e israelenses” e ratificou o compromisso de acabar com a ocupação da Palestina pelo Estado de Israel.

Síria condena Israel

A Síria condenou os ataques de Israel contra os palestinos nos territórios ocupados em Golã, Palestina e o sul do Líbano, e negou ataques da polícia local contra opositores em áreas conturbadas. O Ministério Relações Exteriores do país qualificou como práticas criminosas os disparos feitos por soldados israelitas.

O governo de Damasco exigiu que a Comunidade Internacional responsabilize plenamente Tel Aviv pela violência, e recordou que a Síria esteve e estará sempre apoiando o povo palestino e a sua luta de resistência por direitos legítimos.

Nesta segunda-feira (16), líderes palestinos e árabes denunciaram a repressão das forças de ocupação israelenses contra manifestantes que rememoravam o Nakba. A maioria das vítimas foram palestinos refugiados no Líbano desde que seus parentes foram expulsos de suas aldeias e territórios originários em 1948.

Um porta-voz do Exército do Líbano afirmou que dez palestinos perderam a vida quando militares israelenses dispararam balas reais contra manifestantes que se defendiam lançando pedras e tentando derrubar a cerca que separa o território de Israel.

O deputado libanês Hassan Fadlallah qualificou como violação dos direitos humanos a “agressão de Israel aos civis desarmados em Maroun Al-Ras e em Golã” e afirmou que o movimento de resistência libanês, Hizbulah, continuará defendendo a causa palestina”.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Homem ao mar! The American Way of Killing!


Por Allysson Lemos

Esse foi o comando yankee. Assassinado sem julgamento e jogado ao mar, de forma que ninguém se interessasse em saber as condições de sua morte, assim perdeu a vida Osama Bin Laden. Contra tudo que os próprios defendem enquanto democracia, justiça e todos os seus costumeiros valores de classe escarrados contra os povos por eles oprimidos.
Assim é a "Guerra ao Terror" dirão eles. É um slogan bastante convincente, eu diria. Obama, em seu anúncio, faltou apenas expor a cabeça de seu adversário, como exemplo àqueles que ousam enfrentar o poder dos Estados Unidos da América. E ainda há quem ache que a guerra é coisa do passado, que caminhamos para a paz. Enquanto houver expansão do Capital haverá espaço e alimento para o mercado da guerra.
Mas, de que se trata este terror? Seriam estes grupos islâmicos chamados extremistas grandes coletivos de loucos, fanáticos, que pelo próprio instinto da maldade cometem atentados terroristas? Ou esta história de bem e mau é mais uma reconstrução de valores?
Os Estados Unidos não são nenhuma referência de bondade. Dentre seus crimes, talvez esteja o pior de todos na História da humanidade, a bomba nuclear lançada em Hiroshima e Nagazaki, matando milhares de vidas inocentes. Isto sem falar no suporte econômico e militar dado às ditaduras militares sanguinárias em toda a América Latina. Sem falar no apoio bélico às reações aos movimentos de independência na África. Sem falar no acordo político com Israel, que sustenta o assassinato de centenas de palestinos há anos.
Dito tudo isto, será que ainda é possível fazer um filme com americanos de boa índole que caçam terroristas no Oriente Médio? É importante avisar que Osama Bin Laden era aliado dos palestinos, na sua luta pela criação de seu Estado Nacional. As pessoas em geral não sabem disso. Afinal de contas, é chato dizer que se faz guerra para controlar o Oriente Médio, para ter o controle do petróleo da região, para subjugar os árabes que resistem ao domínio norte-americano. Muito mais interessante é dizer que luta-se contra fanáticos, árabes primitivos que se recusam a "ascender à civilização".
Mas hoje vimos a barbárie ganhando concretude. E foi no discurso do senhor Barack Obama e na forma de matar, se infiltrar, se livrar de corpos que se valeu o glorioso Estados Unidos da América! American Way of Killing!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Academia fala do Egito

O Globo de hoje trouxe algumas publicações de acadêmicos pelo mundo que comentaram o processo político que vive o Egito. Sem dúvida, a melhor reportagem de toda a cobertura do Jornal sobre o tema.  São 5 artigos vindos de França, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Israel. As declarações apresentam algumas divergências , mas as diferenças de fundo se colocam através da escolha da estrutura analítica.
Visões mais materialistas se contrapõem com a idealista de Christopher Taylor, professor de estudos islâmicos da Drew University, de Nova Jersey, em que o mundo caminha para a perfeição da democracia liberal norte-americana e seus valores. Diz ele: "O Egito passa por uma mudaça muito difícil em direção à democracia, mas tenho muitas esperanças. Acho que o fato de as pessoas estarem agindo sempre pacificamente tornará muito difícil que seja imposto novamente algum tipo de regime militar." E completa com requintes de ocidentalismo: " A outra coisa que me anima é que os jovens do Egito têm muito contato com a mídia ocidental. O Egito e outros países árabes têm grandes contingentes de joves com alto nível de educação, e muita consciência do que se passa no mundo."
Já Karim Bitar, especialista em Oriente Médio do Instituo de Relações Internacionais e Estratégicas de Pequim, não tem a mesma visão do mundo cor-de-rosa do americano, e faz uma análise próxima à apresentada pelo Sinal Preto nestes dias, do futuro do Egito em disputa:
"Vejo duas saídas para o Egito. Uma respode aos anseios do povo que se manifestou na praça Tahrir, e outra responde aos Estados Unidos e outros países da região. Os maifestantes da Praça Tahrir querem não apenas a saída de Mubarak, mas de todo o regime.( ...)
Mas o melhor cenário para os EUA e os vizihos do Egito é outro. Eles querem no lugar de Mubarak um poder em torno do Exército egípcio e do vice-presidete Omar Suleiman."
Sobre o Exército, é de recohecimento de todos que trata-se de uma instituição protagonista do velho regime. Mas quanto ao que será o futuro do Egito, estão em desacordo. Para Bitar, o Exército deve conseguir reorganizar a sua estrutura dominante. "O Exército permanece muito organizado e recebe dos EUA US$3 bilhões por ano. Os islamitas são a oposição mais estruturada o Egito, mas não a única. Há uma oposição egípcia laica e feminista que tem raízes nos anos 1920". Já Hamad El-Aouni, cientista político tunisiano, professor da Universidade Livre de Berlim, acredita em uma opção popular. "Há muitos talentos políticos que não apareciam antes por causa da falta de democracia.(...) Na futura arquitetura política, a Irmandade Muçulmana terá peso, mas não vai superar os 15% e por isso não vai ocupar o governo. Muitos analistas têm apontado para o perigo de um regime fundamentalista no Egito, assim como existe no Irã. Trata-se de uma especulação absurda. Os egípcios são sunitas e recusam o sistema hierárquico dos xiitas, como no Irã.(...)  Os exemplos da Tunísia e do Egito serão vistos nos próximos meses nos outros países árabes. Também em Argélia, Iêmen, Jordânia, Líbia, todos os 21 países árabes passarão a ter regimes democráticos."
Por fim, para o israelita do Departamento de Oriente Médio da Universidade de Haifa,Uri M. Kupferschmidt, falta um projeto à revolução egípcia. Segundo ele, curiosamente, este só existia em Mubarak. " Mas, além da questão polítca, é preciso pensar no plano sócio-econômico. Parte da raiva da multidão na Praça Tahrir é direcionada  a situação econômica do país: desemprego, inflação, baixos salários. (...)  Por causa da falta de plataformas claras sócio-econômicas é que não cosidero o que acontece no Egito como uma revolução. Revolução é quando há mudaça no regime, incluindo o plano econômico. É quando há uma substituição de uma filosofia social-econômica por outra."
Se por um lado o conceito de revolução se adequa a uma visão marxiana, é errada a preocupação de Kupferschimidt com a Irmandade Muçulmana, que para ele poderá criar um governo fundamentalista anti-Israel. O obstáculo para a consolidação da revolução é o Exército, que de forma oportunista se coloca como alternativa à ditadura Mubarak. A direção revolucionária há de surgir do movimento, e sem dúvida a Irmandade Muçulmana fará parte, haja vista que já faz parte do povo insurgente. No entanto, o possível caráter anti-Israel da revolução não foi abastecido por nehum fudamentalismo, mas por anos de política imperialista, que através de Mubarak fez a miséria do povo egípcio por mais de 30 anos.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A Questão do Egito e a mídia burguesa

O leitor desatento do Globo de hoje se espantaria com a postura aparentemente progressista do jornal  nas matérias que se referem à renúncia do presidente Mubarak no dia de ontem.Com a capa " A praça derruba o ditador", me senti lendo o Pravda. No entanto, seguindo a série de artigos supostamente apologistas do movimento, ora ressaltando a ausência de líderes do movimento, ora destacando o papel da Internet, o Jornal Globo reproduz descaradamente a linha da Casa Branca sobre a questão.
Ressaltando a necessidade da transição democrática, o Globo mais uma vez assume como verdade universal a perfeição do regime político liberal estadunidense contra o "obscurantismo autoritário" dos inimigos do Império, tantas vezes utilizado como justificativa para guerras imperialistas. Mas isto já era de se esperar. O curioso é que o destaque é dado para fala de Obama, preocupado com a transição democrática, mas nem uma vígula é colocada sobre o contexto da revolução no Oriente Médio, o seu caráter anti-imperialista.
O Egito é um país de maioria árabe, no entanto tinha um governo aliado de Israel, que faz a política imperialista norte-americana de domínio dos Estados Unidos. Egito, até então, é um dos aliados de Israel no impasse da questão da Palestina, nos conflitos diplomáticos com o Irã. Mubarak, portanto, era um dos grandes aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio, seu poder era abastecido com as armas norte-americanas que durante anos sustentaram as Forças Armadas egípcias (avaliado em cerca de 2 bilhões ao ano) .
Ou seja, esta revolução em si é um grande prejuízo político para os Estados Unidos. Não à toa ela foi comemorada por árabes de todos os países. O que vai prevalecer agora é a disputa pelo futuro do país. Os militares, apresentados pelo Globo como os intermediários da democracia, são os mesmos militares que sustentaram Mubarak durante todos estes anos e, possivelmente, sairá deles a alternativa estadunidense para através do seu regime político de governo seguir dirigindo o país. Agora, a juventude egípcia está de olho. Seus cartazes pediam o fim do apoio americano a Mubarak. Cabe agora ao povo egípcio achar seu próprio caminho, a fim de tirar as patas do Império do Oriente Médio. Termino com um trecho da declaração de Ahmadinejad:

" Um novo Oriente Médio está emergindo, sem o regime sionista e a interferência dos EUA, um lugar onde potências arrogantes não terão lugar (...)
  Digo aos povos e aos jovens de países islâmicos e árabes, em particular aos egípcios: permaneçam alerta. Vocês têm o direito de liberdade, de escolher seu governo e seus dirigentes."

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Portal Vermelho:: "Reginaldo Nasser: Os militares e o futuro do Egito"

Os principais jornais e analistas do ocidente têm falado cada vez mais na conveniência de em se adotar um “modelo turco” no Egito, em que militares atuariam de forma a conter o radicalismo islâmico dentro de um modelo constitucional. Tornou-se freqüente nos últimos dias ouvir a avaliação de que os militares têm sido uma força fundamental para manter a calma e a estabilidade nessa crise e espera-se que cumpram um papel crucial na transição que se anuncia.

Por Reginaldo Nasser*, em Carta Maior

As forças armadas têm sido a força dominante no Egito desde a queda da Monarquia em 1952: os presidentes Nasser, Sadat e Mubarak são todos eles representantes do estamento militar. Considerados uma das forças mais poderosas do mundo (10º lugar) contam com um contingente de 468.000 militares e 3.4% do PIB do Egito.

O setor militar do Egito recebeu nas últimas três décadas cerca de 30 bilhões de dólares em ajuda dos EUA, além de enviar seus oficiais para estudar em colégios militares norte-americanos. A popularidade do exército tornou-se ainda mais crucial, quando o ainda presidente Mubarak, após dissolver seu governo – e lançar as bases para uma possível transição - recorreu aos militares, esperando com isso que a sua reputação pudesse encobrir a própria legitimidade perdida.

Os militares egípcios são essencialmente uma criação dos EUA não apenas devido aos bilhões de dólares em armas e equipamentos de segurança, mas, sobretudo, devido à lógica que preside a relação entre eles.

Documentos do Departamento de Estado 2009, divulgados pela WikiLeaks , descrevem um encontro entre um general dos EUA e os seus colegas egípcios, tratando de suas relações diplomáticas: “O presidente Mubarak e seus líderes militares vêm o nosso programa de assistência militar, como a pedra angular da nossa relação e consideram os bilhões de dólares como compensação intocável para fazer e manter a paz com Israel e em troca os militares dos EUA gozam de prioridade de acesso ao Canal de Suez e do espaço aéreo egípcio”.

Sim, é verdade que os militares querem a estabilidade, mas a desejam, principalmente, porque não querem perder os privilégios que desfrutam devido ao papel único que desempenham na economia egípcia. De acordo com um dos maiores especialistas sobre Egito, Robert Springborg (US Naval Postgraduate School), as atividades econômicas dos militares têm se expandido consideravelmente ao longo das décadas.

O militar egípcio está presente em praticamente todos os setores econômicos do país, numa lista que vai da montagem de automóveis, construção de rodovias e pontes até a distribuição de gás, comércio de vestuários e utensílios domésticos, e acionistas em grandes empreendimentos turísticos.

Ninguém sabe ao certo, mas, segundo algumas estimativas, os militares chegam a controlar por volta de 30% da economia do país. A carreira militar tornou-se também um meio de promoção social, onde homens de famílias pobres podem ganhar prestígio e se juntar à classe média alta.

Uma dos poucas informações que temos sobre o papel dos militares egípcios na economia apareceu em documentos de 2008 tornados públicos pelo WikiLeaks e pode ajudar-nos a compreender para onde vai o Egito. O autor anônimo discute os vários negócios em que os militares estão envolvidos, e avalia como reagiriam, caso o atual presidente, Hosni Mubarak, fosse deposto.

Muito provavelmente, diz o autor, os militares se reuniriam em torno do sucessor, desde que não houvesse interferências em seus negócios, mas, adverte que é difícil prever as ações dos militares em um cenário mais confuso.  O certo é que os militares egípcios não têm interesse em qualquer tipo de projeção de poder, e seus objetivos principais são, principalmente, garantir a sobrevivência do regime e proteger as fronteiras do país.

Nos últimos dois anos, a recessão global revelou um novo cenário para o consenso das elites egípcias refletindo no equilíbrio existente dentro do partido do governo entre a “nova guarda” representada pela elite empresarial neoliberal e a velha guarda, composta por setores da burocracia. Muito embora a maioria dos militares compartilhe com a ideologia da velha guarda, sempre se mantiveram fora da luta pelo poder zelando pela estabilidade; no entanto, esses momentos de crise poderiam despertar ambições individuais dentro das Forças Armadas em relação à presidência da república.

Para além das particularidades que poderiam diferenciar os regimes políticos repressivos, e as causas que definem os atuais conflitos nos países que compõem o mundo árabe; todos eles formam, na essência, um conjunto de governos sujeitos à mesma lógica militar que se articula nos níveis regional e internacional (democracias ocidentais).

A velha ordem no Oriente Médio está se desintegrando, mas é preciso estar muito atento ao rumo que deverá tomar o Egito. Assim como a revolução dos oficiais na década de 1950 que derrubou a monarquia árabe apoiada pelas potências coloniais, a revolução de 2011 pode, da mesma forma, retirar tiranos do governo, mantendo intacta a estrutura de poder do Estado sob as vestes de uma nova democracia. Não resta a menor dúvida que o personagem principal dessa tragédia é um grande problema, mas obviamente não é maior do que o caráter do regime que se quer preservar

Portal Vermelho: "Chomsky: EUA estão seguindo seu velho manual no Egito"

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, o linguista e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Noam Chomsky, analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações.

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Iêmen de abandonar o cargo ao final de seu mandato.
Leia também:
Noam Chomsky fala nesta entrevista sobre o que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”. Veja abaixo a entrevista completa.

Democracy Now: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak.

O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Democracy Now: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?
Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos têm um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses.

Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Democracy Now: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes.

Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Democracy Now: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?
Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Democracy Now: O que acontecerá com a Jordânia?Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

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Entrevista de Celso Amorim ao sítio Carta Maior


“É preciso respeitar a decisão do povo de cada país”
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e norte da África e suas possíveis repercussões. O ex-chanceler chama a atenção para o fato de que as revoltas populares ocorrem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de crítica ou sanção. “Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora”, diz Amorim, defendendo a postura adotada pela diplomacia brasileira nos últimos anos.

- “Há algumas semanas, se fosse realizada uma consulta entre especialistas em política internacional pedindo que apontassem dez países que poderiam viver proximamente uma situação de conflito político-social, duvido que algum deles apontasse a Tunísia”.

O embaixador Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores do Brasil por mais de oito anos (dois mandatos do governo Lula e mais um período no governo Itamar Franco), iniciou a conversa telefônica, direto da embaixada do Brasil em Paris, chamando a atenção para a complexidade e o dinamismo do cenário internacional e para o baixo nível de conhecimento que se tem sobre a situação de muitos países. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida no início da tarde desta sexta-feira, Celso Amorim analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e no norte da África e suas possíveis repercussões. Como que para ilustrar o dinamismo mencionado por Amorim, quando a entrevista chegou ao fim, Hosni Mubarak não era mais o presidente do Egito.

Na entrevista, o ex-chanceler brasileiro chama a atenção para o fato de que as revoltas populares que o mundo assiste agora, especialmente na Tunísia e no Egito, acontecem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de sanção por parte da comunidade internacional. “Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada”, avalia. Amorim acredita que uma mudança política no Egito terá impacto em toda a região, cuja extensão ainda é difícil de prever. E defende a política adotada pelo Brasil nos últimos anos apostando na capacidade de diálogo do país, reconhecida e requisitada internacionalmente.

CARTA MAIOR: Qual sua avaliação sobre a rebelião popular no Egito e seus possíveis desdobramentos políticos e geopolíticos na região?

CELSO AMORIM: Uma primeira característica que considero importante destacar é que os protestos que estamos vendo agora são movimentos endógenos. É claro que eles se valem de novas tecnologias e de alguns valores modernos, mas são motivados pela situação interna destes países. O Egito e a Tunísia, cabe assinalar também, não estavam sob sanções por parte do Ocidente. Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada. Sanções só reforçam internamente um regime. Uma das expectativas das sanções contra o Irã era atingir a Guarda Revolucionária. Na verdade, só atingem o povo. O Iraque foi submetido a sanções durante anos e Saddam só ficava mais forte. Não havia, repito, sanções contra a Tunísia e o Egito, países considerados amigos do Ocidente e aliados inclusive na guerra contra o terrorismo, implementada pelos Estados Unidos.

Acredito que uma mudança política no Egito terá certamente um impacto em toda região, podendo inclusive provocar uma mudança de relacionamento com países como Israel e Síria. Mas isso dependerá da evolução dos acontecimentos.

CARTA MAIOR: A sucessão de acontecimentos semelhantes em países do Oriente Médio e do Norte da África já pode ser considerada como uma onda capaz de expandir para outros países também?

CELSO AMORIM: Potencialmente, sim. Mas é difícil prever. Depende dos desdobramentos do Egito. Não há dúvida que Mubarak sairá [enquanto concedia a entrevista, a renúncia do ditador egípcio foi confirmada]. A questão é saber como ele sairá. Certamente haverá uma mudança no regime político do Egípcio. Não sabemos ainda em que intensidade. Mas é importante ter em mente que as duas forças organizadas no país são as forças armadas e a Irmandade Islâmica. A Irmandade Islâmica não é nenhum bicho papão. Cabe lembrar que muita gente tem citado a Turquia (que tem um partido islâmico no poder) como um modelo de caminho possível para o Egito.

A influência dos acontecimentos no Egito deve se manifestar em ritmos e intensidades diferentes, dependendo da realidade de cada país. Como a Tunísia nos mostrou, é preciso esperar o inesperado.

CARTA MAIOR: A diplomacia ocidental foi pega de surpresa por esses episódios?

CELSO AMORIM: Certamente que sim. O próprio presidente Obama admitiu isso ao falar dos relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Ninguém estava esperando o que aconteceu na Tunísia que acabou servindo de estopim para outros países como Yemen e Egito. Nos mais de oito anos que trabalhei como chanceler nunca ouvi uma palavra de crítica sobre a Tunísia. E alguns conceitos fracassaram. Entre eles o de que se o país é pró-ocidental é necessariamente bom. Os Estados Unidos seguem poderosos no cenário internacional, mas frequentemente superestimam essa influência.

Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora. As revoltas que vemos agora (na Tunísia e no Egito) iniciaram dentro destes países contra governos pró-ocidentais e não nasceram com características antiocidentais ou anti-imperialistas.

CARTA MAIOR: O Oriente Médio é hoje uma das regiões mais conflituosas do planeta. Os levantes populares que estamos vendo podem ajudar a melhorar esse quadro?

CELSO AMORIM: Creio que teremos agora um quadro mais próximo da realidade. Há uma certa leitura simplificada do Oriente Médio que não leva em conta o que o povo desta região pensa. Não é possível ignorar a existência de organizações como a Irmandade Islâmica ou o Hamas. Se ignoramos fica muito difícil traçar uma estratégia que leve a uma paz estável.

CARTA MAIOR: O jornalista israelense Gideon Levy escreveu ontem no Haaretz dizendo que o Oriente Médio não precisa de estabilidade, referindo-se de modo à crítica à suposta estabilidade atual, que seria, na verdade, sinônimo de pobreza, desigualdade e injustiça. Qual sua opinião sobre essa avaliação?

CELSO AMORIM: De fato, a desigualdade social é uma das causas muito fortes dos problemas que temos nesta região. É um fermento muito grande para revoltas. A verdadeira estabilidade não se resume a ter um determinado governante no poder. Não basta ter eleição. É preciso aceitar o resultado da eleição. Estamos falando de uma região muito complexa, com sentimentos anticoloniais muito fortes. Esse quadro exige uma flexibilidade muito grande e capacidade de diálogo com diferentes interlocutores.

CARTA MAIOR: Qual sua análise sobre a evolução dos acontecimentos no Oriente Médio à luz da política externa praticada durante sua gestão no Itamaraty?

CELSO AMORIM: Como referi antes, nós procuramos manter uma relação ampla com diferentes interlocutores. As críticas que sofremos vieram mais da mídia brasileira do que de outros países. Nossa política em relação ao Irã, por exemplo, não foi para mudar esse país. O objetivo era contribuir para a paz, tentando encontrar uma solução para a questão nuclear. Quem mudou de ideia no meio do caminho foram os Estados Unidos. O próprio El Baradei (ex-diretor geral da Agência de Energia Atômica), que agora voltou a cena no Egito, chegou a dizer, comentando a Declaração de Teerã, que quem estava contra ela é porque, no fundo, não aceitava o sim como resposta.

Acredito que nós precisamos de países com capacidade de ver o mundo com uma visão menos maniqueísta. Agora, todo mundo está chamando Mubarak e Ben Ali de ditadores. Até bem pouco tempo não assim. A maioria da imprensa internacional não os chamava de ditadores. O importante é saber respeitar a vontade e a decisão do povo de cada país. O Brasil tem essa capacidade reconhecida mundialmente. Várias vezes fomos requisitados para ajudar na interlocução entre países. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por exemplo, nos pediu para ajudar a retomar o diálogo com a Síria. O Brasil tem essa capacidade de diálogo que não demoniza o outro. Essa é a pior coisa que pode acontecer na relação entre os países: demonizar o outro. Não se pode, repito, ignorar a presença da Irmandade Islâmica ou do Hamas. Podemos não gostar destas organizações. Isso é outra coisa. Mas estamos que estar prontos para conversar.

Espero que o Brasil faça jus às expectativas que existem sobre ele, sobre sua capacidade de diálogo e interlocução. Não se trata de mania de grandeza. Nós temos essa capacidade de diálogo e ela é requisitada. Seguramente o Brasil tem a possibilidade, e eu diria mesmo a necessidade, de ter essa participação e ajudar a construir a paz. Até porque esses fatos nos afetam diretamente. Basta ver o preço do petróleo que está aí aumentando em função dos conflitos.