Inicio a leitura do livro "Diário do Subsolo", do referido autor. Ainda no prólogo feito por Oleg Almeida, apressado que sou, me vi provocado a escrever sobre um recente reencontro que tive com minha antiga fé, encarnada na figura do estimado sacerdote Uriel - estima que se deu não sem razão, dada a extrema habilidade retórica com que sempre proferiu a liturgia, dentre outras qualidades.
Mas antes de entrar no causo em si, devo saudar nosso caro Oleg e a forma como ele me apresentou ao não menos sagrado historiador russo: Diário do Subsolo estaria em consonância com uma trajetória de quem fora condenado ao fuzilamento por falar demais, por se expressar de forma perigosa, tendo em vista os interesses do paranoico czar Nicolau I. Após salvação instantes antes de sua execução, o camarada escritor havia se dedicado ao "Subsolo" da vida, manifesto no personagem deste livro.
O subsolo, por outro lado, não é nada confortável. Ainda que minha trajetória não seja comparável à de Dostoievski, seja em grandiosidade ou drama, o abandono da antiga fé me relegou à condição do subsolo. O único espaço para minhas ideias, quem sabe até envelhecidas e rijas, se tornou a mesa de bar, sempre proferidas portanto de forma inexata ou imprecisa, um crime para a velha fé.
Também pude perceber isso no meu papo com Uriel. Articulado como nos velhos tempos, Uriel não perdeu tempo em me convocar para a fé novamente. Seu olhar severo e a maneira como conduzia seu raciocínio pareciam querer imputar um sentimento de culpa pela minha heresia.
- O seu afastamento não foi por razão ideológica né? - provocou ele.
- Olha, também! - comecei, esperando sair do subsolo.
- Mas e Marx? E Lenin? - aplicando o primeiro corte.
- Marx sim. Lenin também, mas de que maneira? - consegui emplacar um raciocínio: encarar Lenin como um imperativo dogmático era um problema que eu enxergava. Ele me deu razão, mas dizendo que isso era um problema de poucos fiéis, e portanto a Igreja não poderia ser julgada por isso.
- Inclusive nosso sumo-sacerdote vem levantando a importância de se discutir Mariátegui - lançou a isca, sabendo que eu defendo que se aprofunde o conhecimento sobre a América Latina.
- Eu sei, já conversei com ele, mas... - quando veio o segundo corte.
- Eu não conheço! Mas não podemos esperar que a Igreja seja perfeita! - ou seja, Mariátegui era apenas a isca mesmo, não se tratava de debatê-lo.
E a conversa foi assim se encerrando. De forma meio abrupta, senti que poderia, como um tartaruga ninja, ascender ao solo pelo tempo de uma conversa ao menos. Expectativa frustrada. Recolhi-me ao subsolo, não porque ele tenha deixado de ser fétido e insalubre, mas porque guarda a segurança daqueles de alma combalida e envelhecida.